quarta-feira, 31 de julho de 2013

O tabu do desespero

Tambores cardíacos
Quando nos encaminhamos para a guerra ouvimos, ao longe, o rufar ritmado dos tambores. Cada batida ecoando entre os vales e árvores cadencia o compasso dos passos que crescem e anunciam, com o aumento do volume, a chegada da horda de inimigos, da falange de aço e movimento que cortará o ar em nossa direção. Era assim no milênio passado e nos milênios antes deles e ainda é assim, hoje. A diferença real? Hoje sabemos da guerra que é travada também na mente.

Relute em criar, insista em reproduzir
Vivemos numa sociedade em que o único encorajamento verdadeiro e constante é o encorajamento da covardia. "Seja covarde! Relute! Você está nessa sozinho e o seu vizinho já comprou outro carro novo! E o seu colega viajou, de novo!" é o que as propagandas nos vendem: fórmulas prontas do sucesso que nos livrariam do terrível ato de pensar por nós mesmos e nos dão, em troca, a cômoda possibilidade de culpar o outro pelo nosso fracasso. A culpa é do "sistema", da moda de gerenciamento de emoções "X", "Y" ou "Z" vendida pelos livros de autogestão das nossas carências e necessidades. Que cômodo, não?

São táticas do fracasso anunciado. Necessariamente devem ser. Caso contrário, como eles venderiam a nova fórmula, do novo sucesso, com as correções feitas sobre os erros da antiga fórmula e com alguns probleminhas internos criados para serem resolvidos pela fórmula que virá depois dela? Interessante, não é?

Desespero, desorientação e consumo
O que dizer então dos comerciais? Da ideia de que estão todos se divertindo em uma festa secreta para a qual você não foi convidado? Até que ponto é preciso que você se sinta sozinho, carente, isolado? Deculpe a sinceridade, mas até certo ponto é preciso que você se sinta desesperado! Desespero talvez seja a palavra menos dita e mais vivenciada nos tempos atuais. Esperar nada, lutar por tudo, gastar toda energia possível no máximo de atividades simultâneas, confiando em ninguém e competindo com todos. Esse é o espírito atual da sociedade ocidental.

Quando acorda, pela manhã, Inácio precisa de um despertador que toque dentro do banheiro, para que ele tenha que levantar e ir até lá desligar. Amanda precisa de uma dose cavalar de cafeína para começar a "batalha do cotidiano". Se fosse do lado da cama talvez o despertador de Inácio não fosse eficaz, apenas um expresso e talvez o edredom venceria o dia produtivo de Amanda. Mais forte que quaisquer metáforas e leituras que temos da realidade cotidiana da guerra com o travesseiro, talvez seja mesmo esse profundo desespero. Essa consciência dura de que não há o que esperar, de que é preciso ser forte, de que é preciso salvar a si mesmo do lodaçal dos que não foram dignos, trabalhadores, pró-ativos, competitivos, agressivos, individualistas, egoístas e egocêntricos.

Desespero e desorientação
A quem serve a desorientação? A quem serve o desespero? Desesperados agem por impulso, desorientados necessitam doentiamente de um líder. Desesperados, no impulso, consomem pequenos "drops" de esperanças em mercadorias, modas, viagens, leituras etc. Desorientados clamam por lideranças fortes, principalmente na política. Sabemos onde cada uma dessas questões vão desembocar: o desespero constante alimenta a hiperprodução de um mercado doente e nada sustentável, a desorientação alimenta um vácuo político que pode ser preenchido por todo tipo de autoritarismo e totalitarismo insano.

Todos esses resultados são frutos das nossas sementes cotidianas de hesitação, desse contante atraso em assumir a nossa parcela de controle sobre nossa própria autonomia.

Estratégia e sanidade
Alguns de nós temos planos. Temos uma meta traçada, um plano maior - mesmo que não tão maior -, a partir da qual balizamos nossas atitudes ao longo dos choques diários de nossas espadas e escudos em palavras e atos combatendo no campo diário do trabalho. Esses poucos conseguem criar um sentido, um muro mais ou menos espesso que proteja a sanidade contra os choques psicológicos, afetivos e existenciais das lâminas e martelos que vêm de fora na forma de críticas, de tentativas de ridicularização, de humilhação, de agressão e, também, de dentro, nas nossas fugas, receios, nos nossos desvios de atenção, foco e energia.

A meta nunca poderá ser "manter a sanidade", mas qualquer boa meta sempre servirá para isso. Quem tem um propósito suporta melhor as adversidades. Quem tem um foco caminha seguro entre a chuva de flechas e marretadas do dia a dia nos dizendo que temos de comprar o celular tal, ver este ou aquele filme, viajar para tal ou qual lugar, ler tais livros, aprender este ou aquele idioma, técnica etc. O problema nunca estará no celular, no filme, na viagem ou no idioma, mas no centro da decisão ter vindo de dentro ou de fora de nós. De onde vem a decisão?

Qual foi a última vez que você reviu seus propósitos? O que você diria a si mesmo se, virando a esquina, desse de frente consigo mesmo aos dez anos de idade?

Texto por: Renato Kress