quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Real Estratégia: Sun Tzu, cases de sucesso e auto-ajuda contemporânea

Sempre que caminho por entre as livrarias não me furto à oportunidade de vasculhar os livros de programação neurolingüística (pnl), de coaching, de mentoring. Deveria ficar a critério de um bom biblioteconomista mas acredito que fique a cargo dos próprios funcionários a alocação dos livros. Os de pnl e coaching acabam ficando próximos ou mesmo em três seções: auto-ajuda, administração e psicologia. Bem, tanto a pnl quanto o coaching são ótimas ferramentas que podem auxiliar nos três processos: resolução de questões e angústias pessoais, administrar metas e alcançar objetivos e conhecer-se melhor para viver melhor. São áreas correlatas e é saudável que sempre que possível, trabalhem em uníssono.

Observando os livros que ladeiam os de pnl e de coaching pude notar o excesso de livros com 10 passos, 7 passos, 20 hábitos, 30 técnicas etc para ser mais assertivo, próativo, um vendedor de sucesso, um empresário de sucesso, para resolver isso ou aquilo etc e essas publicações me preocupam.

Sistemas Complexos

Me preocupam não porque esses 10 passos, 20 hábitos ou 30 técnicas não sejam funcionais, muitas vezes o são e são muito até! Tudo depende, é claro, da expectativa com que se adquire tais livros e da forma como se lê essas obras. Quem trabalha com teoria social sabe o quão penoso, inglório, injusto e decepcionante é tentar adequar a sociedade a uma teoria sobre essa sociedade. O mais sábio é sempre sacrificar toda ou pelo menos uma parte da teoria e não querer que a realidade se encaixote para caber nesse ou naquele modelo - porque isso nunca acontecerá. Sociedades são sistemas vastos, complexos e dinâmicos demais para caber em qualquer teoria. O mesmo se aplica ao ser humano.

Indivíduos únicos, circunstâncias únicas

Cada ser humano tem uma representação da realidade diferente. Um pintor sabe muito mais cores e nuances do que o escritor desse texto, com toda certeza. Um cozinheiro conhece muito mais filigranas e teores de sabores que a maior parte de nós. Um índio vive toda a sua vida num ambiente em que nós morreríamos em questão de dias. Seres humanos são diferentes, são frutos de experiências de vida diferentes.

Percepções e pnl

Não me preocupa a intenção do escritor do livro - que elencou um modelo interessante, inteligente talvez mesmo revolucionário de alcançar um determinado objetivo - não me preocupa porque é disso que se trata a pnl, por exemplo. "Modelar", criar um modelo baseado na conduta intrínseca (valores, crenças, identidade) e extrínseca (ambientes, comportamentos, habilidades) de um indivíduo e usar esse modelo para atingir uma performance maior que a que ele atingia anteriormente.

A intenção do leitor

Me preocupa mesmo é a forma como compramos essas obras, como muitas vezes acreditamos sinceramente que a aplicação de um modelo baseado num indivíduo que alcançou um determinado sucesso (suponhamos a criação de um "Modelo Eike Batista" por exemplo) nos faz crer que teremos os mesmos resultados que os alcançados pelo indivíduo modelado. Isso é irreal. As circunstâncias da vida de um Schumacher e o talento de um Schumacher são pessoais e intransferíveis, o que não quer dizer que eu não vá dirigir melhor se modelar o Schumacher, com certeza irei. Mas nunca como ele.
O que você espera que
aconteça ao terminar de
ler um livro como esse???

O problema nos livros com 10 passos, 20 hábitos ou 30 técnicas é que muitas vezes o leitor não tem uma meta bem definida (literalmente não sabe o que quer) e, quando chega ao final do livro, tendo aplicado melhor ou pior alguns dos seus preceitos, fica genuinamente decepcionado ao olhar ao redor e não estar efetivamente "no cockpit" ou balançando uma garrafa surrealmente grande de champagne, vestindo um macacão todo tatuado de empresas e ouvindo as pessoas saudando ele.

Nenhum "case de sucesso" foi criado baseado em outro "case de sucesso"

Quando não temos uma meta bem definida, quando não sabemos o que queremos, nenhum modelo será bom o suficiente, nenhum hábito, nenhuma técnica, nada será eficaz. Mas além disso há também outro fator a ser considerado: a especificidade da realidade à qual aplicamos aquele modelo.

Só sistemas fechados e simples
comportam soluções únicas!
Trabalho com empresas e empresários e muitas vezes ficamos um bom tempo tendo descobertas acerca dos "cases de sucesso". Muitas vezes vejo eles lendo os "cases" como leitores inocentes de auto-ajuda, como se pudessem aplicar, por exemplo, a estratégia da Nike ao problema da Grendene. A Nike tem especificidades, tamanho, estruturas de produção e logística que a Grendene não tem e as "estratégias" da Nike dificilmente se encaixarão nas metas da Grendene. São ambas empresas do ramo de calçados, mas a semelhança nasce e morre aí.

Um "case de sucesso" deve ser lido para percebermos como uma empresa com problemas utilizou os recursos de que dispunha para resolver a questão ou até para alavancar o seu desenvolvimento através dessa situação, mas nunca com a expectativa de aplicarmos diretamente aquele "case" ao nosso caso particular.

Sun Tzu, no capítulo seis da obra "A Arte da Guerra" diz:
"Todo mundo conhece a forma que resultou em vencedor, porém ninguém conhece a forma que assegura a vitória. Em conseqüência a vitória na guerra não é repetitiva, senão que adapta sua forma continuamente. Determinar as mudanças apropriadas significa não repetir as estratégias prévias para obter a vitória. Para consegui-la, posso adaptar-me desde o princípio a qualquer formação que os adversários possam adotar."
Esse texto, escrito a 2500 anos, já nos alertava para a facilidade em perceber o vencedor depois da batalha vencida: "Todo mundo conhece a forma que resultou em vencedor", e para a impossibilidade de saber uma única forma que resulte na vitória: "...porém ninguém conhece a frma que assegura a vitória.", mas o mais importante é sempre a noção de que a vitória não se dá por modelos vitoriosos - nenhum "case de sucesso" foi baseado inteiramente em outro "case de sucesso" - e sim pela capacidade dos indivíduos envolvidos na tarefa de adaptarem-se às circunstâncias reais dadas no momento da "batalha".

Adaptação e vitória

Não estamos aqui apenas porque soubemos lutar bravamente com paus e pedras de 5000 anos até hoje, estamos aqui porque as situações mudaram e nós soubemos nos adaptar. Falando em adaptação, é bom que ela seja sempre mediada por nossas circunstâncias exteriores e orientada para nossas metas. São os dois focos da nossa atenção "no calor da batalha". Um célebre ocidental que estudou muito aprofundadamente acerca da adaptação, percebeu a importância dessa mesma atenção:

"A atenção é a mais importante de todas as faculdades para o desenvolvimento da inteligência humana." - Charles Darwin

Texto de Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador dos Treinamentos A Arte da Guerra e A Jornada do Herói

3 comentários:

  1. Fechou com chave de ouro: "A atenção é a mais importante de todas as faculdades para o desenvolvimento da inteligência humana." A atenção, a sensibilidade, o discernimento, a criatividade no acompanhamento da mutabilidade do intrínseco conjugado com o extrínsico, em busca de uma meta bem definida, podem sim garantir sucesso. Esta minha frase parece um passo, uma técnica, uma receita? Sim, mas não é, pois, os elementos aqui citados são íntimos, particulares, inerentes e completamente funcionais para o indivíduo. Vai de encontro com o seu texto (penso eu), a partir do momento que estes passos, técnicas, métodos e receitas podem ter utilidade, desde que, acompanhados dos elementos acima. E estes elementos somente terão forma a partir da vivência de cada um.

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  2. Vai ao encontro do texto sim! :) Obrigado pelo carinho e pela contribuição Cláudia! Vou querer sempre!!

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  3. Tecnicamente falando: gosto muito de te ler! Há momentos, no texto, que penso "esse cara vai se perder, onde será que ele quer chegar com isso?" E de repente, você resgata cada parágrafo, ponto a ponto e arremata todo o conteúdo num único parágrado. O "quebra-cabeças" termina. Adoro leituras assim. E quanto ao conteúdo, concordo que os "manuais de sobrevivência" devem ser adaptados caso a caso. Cabe ao leitor ser um leitor ativo e não aceitar com passividade tudo o que lê. Quem sabe esta conscientização quanto à uma leitura ativa - não só de textos - não seja o papel que o momento e movimento atual (seja filosófico, sociológico, psicológico integral...) confere aos coaches, neurolinguistas, terapeutas, treinadores, professores, comunicadores em geral, à massa de leitores que ainda está em leitura passiva? Não sei... Bom pra ficar pensando... Um bom texto nunca termina quando termina! Uma boa leitura faz o leitor refletir. Filosofias concluídas agora. (É sempre um prazer passar por aqui). Bianca

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