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terça-feira, 10 de abril de 2012

A Mente do Herói na Jornada

Trabalhar com a Jornada do Herói é ter a fantástica possibilidade de observar, dia a dia, a maravilhosa potência dos conteúdos da mente e buscar criar - esforço e tarefa heróica - um fluxo criativo e orientado de ações com essas energias. Ações orientadas por uma meta bem estipulada. Para que as ações ocorram, para que os heróis da Jornada possam liberar a energia psíquica necessária para transformar em ato as decisões e planificações efetuados no início da Jornada, é preciso que façamos o mesmo caminho que todo herói em toda mitologia mundial fez: liberar o potencial da libido(energia psíquica) no inconsciente.

As águas retidas
Em várias tradições mitológicas ao longo da história da humanidade veremos a questão da retensão e liberação das "águas do mundo". Na Índia esse é o tema central da mitologia de Indra (o equivalente hindu do Zeus grego): O dragão-serpente Vritra rompe o fluxo natural da vida no universo ("Rita" é o nome desse fluxo que ele rompe) ao prender as "águas do mundo" e então Indra, a divindade do raio, do trovão e das tempestades, tem de abatê-lo com um raio para que o fluxo das águas seja liberado e restabelecido.

É preciso uma iluminação (raio) orientada da consciência (Indra) para que o fluxo poderoso da energia psíquica (águas primordiais) possa jorrar naturalmente e começar a recriar e restabelecer a nossa energia criativa e o nosso contato com a dinâmica natural do movimento da nossa psique. É a isso que as mitologias ao redor do mundo chamam de restabelecer a "Ordem do Mundo". Por isso Zeus faz o mesmo derrotando o dragão-serpente Tífon e, posteriormente, Apolo, um dos filhos de Zeus, faz o mesmo derrotando o dragão-serpente Píton, filho de Tífon. São gerações efetuando o mesmo gesto simbólico de salvaguardar seu poder de contenção e liberação das energias que passam pelo eixo do ser.

Quando Zeus mata Tífon - depois de ter seus tendões dos calcanhares arrancados por essa criatura e recosturados por seu filho Hermes - ele restabelece a nova ordem no mundo, onde ele se coloca como governante. Psiquicamente é a consciência adquirindo poder sobre a dimensão inconsciente e orientando sua iluminação e ação através do foco (raio).

Esse processo ocorre na Jornada do Herói de forma constante através de suas quatro etapas: Paideia, Katábasis, Anagnosis e Apoteosis.

Paidéia, a dúvida elementar
Na Paidéia, fase que chamamos também de "educação iniciática" aprendemos a olhar o mundo com novos olhos e a perceber os valores e crenças que são as fundações do nosso mundo e da representação de universo que fazemos. Lembrando que, de acordo com a programação neurolingüística, nós não reagimos ao mundo e sim à representação que temos desse mundo. A realidade, em si, não é acessível a nós nem a ninguém. Vemos o mundo através das nossas experiências nesse mundo, das nossas próprias crenças e valores, nos nossos filtros internos, da nossa cultura e da forma como fomos socializados para viver em sociedade. O fator mais importante da Paidéia, além de aprender as técnicas que serão necessárias ao longo da jornada nas demais fases, é que possamos começar a compreender que esse mundo em que vivemos foi criado por seres humanos que já não estão entre nós e que a nós cabe, hoje em dia, duvidar de forma saudável de que esse seja o melhor dos mundos possíveis. Através da dúvida surgirá a brecha para toda a criação a ser efetuada posteriormente.

É na brecha que a dúvida ria no solo das certezas cotidianas que plantaremos a semente do amanhã.

Uma das técnicas primárias da Paidéia e uma das mais importantes é justamente estabelecer, por escrito através de um caminho de perguntas bem detalhadas, a meta que temos para o curso ou para a nossa Jornada pessoal. É como definir o código genético da semente, a forma pela qual ela irá crescer.

Katabasis, penetrando nas fundações
Na Katábasis, fase que chamamos de "mergulho nas trevas", penetraremos nas fundações dessas crenças nossas e sociais, pessoais e culturais, laborais e lúdicas que formam a nossa concepção de mundo. Ali perceberemos a intenção positiva dos comportamentos que já não são mais compatíveis ou congruentes com a nossa vida atual. É natural que alguns comportamentos que funcionavam no passado não sejam mais funcionais no presente, mas ainda assim eles detêm uma certa intenção positiva, seja ela de "proteger", "salvaguardar", "manifestar suas emoções", "delimitar o seu espaço e os seus limites" e por aí vai. Na Katábasis, observando o que queremos usar para edificar nossa Jornada pessoal e o que podemos resumir à intenção positiva e descartar as cascas comportamentais que já não condizem com nossa idade, vida ou atmosfera, podemos começar a reintegrar e fortalecer as fundações desde abaixo.

Nesse mergulho nós revisitamos conteúdos internos nossos e reintegramos cada um deles, ou pelo menos suas intenções positivas ao que pretendemos para daqui por diante.

Anagnosis, o que vês ao nascer
Na Anagnosis, fase que também chamamos de "conhece-te a ti mesmo", usamos arquétipos e mitos gregos como filtros ou mentores para observar nossa Jornada, nossas metas, projetos e planos. Através desse filtro energético a mente do herói começa a reconectar-se à sua vida do cotidiano, mas de uma forma completamente nova, plena de energia e discernimento. O mergulho na Katábasis ampliou o gradiente energético, liberando a libido para que possamos usá-la em favor de nossas próprias demandas, mas de forma criativa e equilibrada. Trabalhamos especificamente a questão do equilíbrio dinâmico na execução de nossas técnicas nessa fase da Jornada. Equilíbrio dinâmico é a noção de que não precisamos estar estáticos ou imoveis dentro de um estado paradisíaco da mente, mas que na avalanche de atos e circunstâncias do dia a dia precisamos "dançar ao som da música" sem nunca perdermos a consciência de nosso eixo e de nosso foco.

Na Anagnosis a mente criativa enraíza-se para dentro do cotidiano, levando consigo de forma potencializadora, criativa e centrada a estrutura do dna criada na nossa meta estabelecida na Paidéia, na primeira etapa de nossa Jornada.

Apoteosis, encontro com os deuses
Na Apoteosis extravasamos nossas energias para o resto do mundo. A energia telúrica (da terra) que remexemos e "cozinhamos" na Katábasis e que nos impulsionou para a consciência de uma forma mais íntegra e coerente para renascermos na Anagnosis, onde usamos essa libido (essa energia psíquica) como uma tinta para tatuar os atos de nosso dia a dia como se deixássemos a cada passo um pouco de nós mesmos e reconstruíssemos o universo ao nosso redor não só à nossa imagem e semelhança, mas observando nos olhos dos que nos cercam tendo a consciência de que observamos os demais deuses responsáveis pela manutenção desse firmamento em que estamos. São técnicas que ampliam e excitam o que temos de criativo, potencializador, amoroso e tolerante em nós.

É essa a viagem da mente do Herói na Jornada, um mergulho profundo que antecede um salto quântico.

Texto por: Renato Kress

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A serpente e a semente

Estar Vivo

A única razão para viver é estar completamente vivo;
e você não pode estar completamente vivo se está esmagado por um medo secreto
e oprimido pela ameaça: Ganhe dinheiro, ou coma merda!
E forçado a fazer mil coisas sórdidas, piores do que sua natureza,
e forçado a se agarrar às suas posses na esperança de que elas o façam sentir-se seguro,
e forçado a observar cada pessoa que se aproxima com medo de que ela o derrube.

Sem um pouco de confiança uns nos outros, não conseguimos viver.
No fim, ficamos loucos.
É o castigo do medo e da mesquinhez, sermos piores do que nossa natureza.

Para estar vivo você deve sentir um fluxo generoso,
e sob um sistema competitivo isso é impossível, na verdade.
O mundo está aguardando novo e grande movimento de generosidade,
ou por uma grande onda de morte.
Precisamos mudar o sistema e fazer a vida livre para todos os homens,
ou veremos os homens morrerem, e então morrermos nós mesmos. - William Blake


Serpentes
Semana passada, lendo sobre Zeus para um trabalho do Instituto ATENA, depois de ler mais de dez capítulos do Gênesis, católico, me peguei pensando na imagem da serpente. Na Teogonia, poema épico do poeta grego Hesíodo, Zeus luta contra Tífon, um dragão (serpente alada) de cem cabeças que nasce de Gaia, deusa-terra. No Gênesis católico Yahvéh (o Deus hebraico) pune Adão e Eva por dar ouvidos à serpente e comer do fruto proibido. Então me dei conta de que em outra leitura, dos vedas, a divindade Indra (o "Zeus" dos hindus) elimina a "serpente cósmica" Vritra e que na Babilônia o deus Marduk elimina o dragão (mais uma serpente voadora) Tiamat, cada um deles dando origem a uma nova ordem do mundo.

Aspectos da nova ordem:
Politicamente essa nova ordem, com a instauração de uma nova divindade, poderia significar a chegada de levas populacionais num determinado espaço de terra, ou a emergência de uma nova camada da população que agora tomava a rédea daquela sociedade nas mãos. Psicologicamente esses reis ou deuses solares que vencem dragões representam o domínio da consciência sobre as forças das trevas, do inconsciente. Culturalmente poderia significar um movimento de saída de uma cultura de cunho matriarcal para uma cultura de cunho patriarcal, com as vantagens e desvantagens próprias das duas.

A serpente e o homem
O importante, aqui, é perceber que, no ocidente, é comum que a imagem da serpente, como a do dragão esteja associada à própria contrariedade do homem. Enquanto o homem está situado no final de um longo esforço genético, a serpente, essa criatura fria, sem patas e sem pêlos, está no início dele. Homem e serpente, em um certo sentido, são rivais ou, simbolicamente, complementares: Enquanto o homem representa a psique evoluída, superior, a serpente representa a psique inferior, obscura, rara e incompreensível, a parcela misteriosa de nossas mentes.

Serpente, alma, libido
A serpente, para alguns autores como André Viril, não passa de uma linha, mas uma linha viva. Uma abstração, mas uma abstração encarnada. A linha, se levarmos em consideração a matemática de Pascal, não tem início nem fim, e, quando se move, torna-se passível de todas as representações e metamorfoses. Dela, só enxergamos a parte exposta, manifesta e sabemos que ela continua.

Segundo Chevalier "A serpente visível é uma hierofania do sagrado natural, não espiritual, mas material.". Do seu comportamento podemos fazer observações sobre o tempo, que escorre como uma serpente, do espaço e das regras, de onde ela se refugia pelo "mundo de baixo", aquele buraco obscuro de onde ela surge e por onde ela se esvai, a fenda ou rachadura.

Essa serpente enigmática, secreta, age como nosso inconsciente. É impossível prever suas decisões, súbitas como seus ataques. Existe em várias culturas a imagem de um poço ou fosso recheado de serpentes, onde todas elas formariam, juntas, uma única multiplicidade primordial, uma coisa indivisível que não cessaria de enroscar-se e desenroscar-se, desaparecer e renascer. É uma das imagens mais conhecidas e autoexplicativas para a dinâmica do inconsciente.

Serpente-vida
Os Caldeus usavam a mesma palavra para vida e para serpente. Em árabe, a serpente é el-hayyah e a vida, el-hayat, sendo que um dos nomes de Deus é El-hay, ou aquele que traz a vida, o vivificante. Quando as religiões solares - entre elas o catolicismo - engendram um "Deus do Céu" que entra em combate com uma divindade da terra - a cobra, uma serpente, um dragão marinho como o Leviatã bíblico, etc - elas criam uma dissolução entre matéria e espírito que é danosa para ambos.

Na maior parte das mitologias, após a vitória sobre a serpente-dragão, a divindade do Céu consagra ou interioriza um aspecto da divindade da terra. Quando Zeus elimina Tífon ele ergue um templo em sua homenagem, gesto primordial imitado por Apolo - divindade de caráter solar que elimina Píton, serpente que nasce do corpo putrefato do dragão Tífon - que ergue o Oráculo de Delfos sobre o corpo da serpente mítica eliminada por suas flechas. Atená, após auxiliar o herói Perseu na vitória contra a górgona Medusa (sob cuja cabeça dançavam serpentes vivas no lugar de mechas de cabelo), coloca a cabeça dela sob sua égide, seu escudo, e, através dele, passa a paralisar de medo seus adversários.

Enantiodromia, Esquizofrenia e Saúde mental
A serpente, na sua característica de mudar de pele, é símbolo da vida que se renova enquanto passa e, também, da imortalidade. O ocidente começa a operar um corte com as tradições míticas quando elimina a serepente - o princípio da vida, princípio de mudança e imortalidade - sem se apropriar das características positivas do símbolo. Quando Yahveh simplesmente pune e descarta a serpente ele tira do homem (Adão) a sua imortalidade primordial tanto quanto o tantrismo redescobre a serpente, a Kundalini, enroscada na base da coluna vertebral, ele redescobre esse fluxo da vida.

A "perfeição" intolerante
Pode ser lindo, mas é só um pólo.
Todo absoluto é patológico.
O ideal de perfeição solar, imóvel, incorruptível, onisciente, onipresente e onipotente muitas vezes não dá lugar à naturalidade do perverso, do sujo, do morto, do erro. É um ideal totalitário que muitas vezes não enxerga ou até procura eliminar tudo o que seja diferença ou movimento, tudo o que seja natural da própria vida. Vivemos numa sociedade onde a assepsia domina e somos levados a acreditar que é um mundo saudável, onde separamos e analisamos e buscamos dominar o universo ao redor, afinal, crescemos ouvindo que a natureza da matéria é o pecado e a do espírito a evolução, enfim que "a matéria é ruim e o espírito é bom, belo e justo".

O psicólogo suíço Carl Gustav Jung, obcecado pelo estudo da dimensão inconsciente de nossas mentes, trouxe da alquimia medieval o termo "enantiodromia", que significa que  superabundância de uma força produz seu inverso. O excesso de limites de uma sociedade dará ensejo a uma nova geração libertária tanto quanto uma geração excessivamente liberal tenderá a gerar filhos reacionários e tradicionalistas. A enantiodromia - que pode ser compreendida historicamente por uma análise dialética de caráter hegeliano - é um processo de cristalização da psique que é danoso ao fluxo normal da energia psíquica, que é o que mantém a saúde mental. É preciso que a energia flua, que as idéias mudem, que os conceitos se transformem, que os pensamentos, como as serpentes, se livrem das cascas carcomidas pelo tempo, ainda que mantendo sua intenção positiva primordial, seu intento primário.

Quando cortamos a ligação entre as idéias (dimensão aérea) e a matéria (dimensão terrestre) não só damos vazão a condutas danosas para o nosso meio ambiente - qual o problema em devastar, aniquilar, extinguir espécies vegetais e animais se a matéria é eminentemente, ruim? - como também efetuamos um corte, uma esquizofrenia (em grego σχιζοφρενία; σχίζειν, "dividir"; e φρήν, "phren", "phrenés", no antigo grego, parte do corpo identificada por fazer a ligação entre o corpo e a alma) que nos leva a priorizar o espírito em detrimento da matéria, ou a crer que um seria essencialmente superior a outro. Esse corte, essa esquizofrenia, esse matar a serpente sem apropriar-se de suas qualidades positivas, é o germe de todo totalitarismo, de toda unilateralidade que procura justificar a morte da vida enquanto mudança perpétua e a torna berço de todas as intolerâncias, preconceitos e discriminações.

A Jornada, o mergulho, a serpente
Na segunda fase do treinamento A Jornada do Herói, no momento da Katábasis, do mergulho nas trevas, entramos em contato com a nossa "Hidra de Lerna" pessoal, com o dragão "Fafnir" que Siegfried (nosso ego heróico) elimina na floresta (representação do inconsciente, da dimensão misteriosa de nossa mente), mas, acima de tudo, aprendemos que Hércules, quando matou a Hidra, tornou-se um pouco a própria Hidra, quando molhou suas flechas no veneno mortal que escorria do pescoço dessa serpente do pântano de Lerna ou que Siegfried, ao matar Fafnir, bebeu do sangue que jorrava do pescoço do dragão-serpente e, desde então passou a ouvir o "chamado da natureza" e conhecer as línguas de todos os animais. Ignorar a dimensão ctônica (subterrânea) e telúrica (terrestre) é ignorar a própria vida em sua dimensão mutável e flexível, em sua dimensão adaptável. É abrir caminho para uma dimensão solar de isolamento, intolerância e rejeição do corpo e, por enantiodromia, da própria alma.

Ao finalizar este artigo me vêm à mente as palavras de dois dos baluartes da nossa ciência ocidental contemporânea: Darwin e Einstein. O primeiro dizia que na natureza (sistema aberto e complexo) sobrevivem não os mais fortes nem os mais espertos, mas os mais capazes de se adaptar. Ou seja: na vida, sobrevêm os que seguem o fluxo da própria vida, e ela muda. O segundo concluiu pela física que não há distinção entre energia (espírito) e matéria (corpo), afinal "Energia é igual a massa vezes movimento ao quadrado" ou E=mc². Só estamos vivos, nesse planeta, porque não estamos perto nem longe demais do sol.

Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador do Treinamento registrado A Jornada do Herói®

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Entrevista sobre a Jornada do Herói® - Parte um.

Qual a utilidade do treinamento A Jornada do Herói?

Renato Kress (RK): Olhe ao seu redor agora. O que é "natural" e o que é "criado" pelas mãos, idéias e sonhos dos homens? Pense em termos de comportamentos, instituições sociais, roupas, idiomas, sotaques, alimentação, formas de sentar, comer, amar. Quase tudo é criado. Beber em um copo ou em uma tigela é uma escolha cultural. Muitas vezes não nos damos conta disso porque estamos imersos numa cultura determinada e achamos que todo o mundo é ou "deveria ser" assim. O problema dessa questão é que muitas vezes, na correria do dia a dia, não nos damos conta de que vivemos sobre a tirania dos mortos. A utilidade maior da Jornada do Herói é trazer a responsabilidade sobre os nossos atos, nossas escolhas e atitudes para nós mesmos, é assumirmos o fardo de sermos os criadores do sentido para a narrativa das nossas vidas. Existem várias outras aplicações práticas da Jornada em criatividade, pensamento estratégico, gestão empresarial, reestruturação de vida, mas o principal está sempre na escolha, na responsabilidade, no mérito.

Você falou sobre "tirania dos mortos", o que é isso?

Émile Durkheim
RK: Tirania dos mortos é uma expressão que saiu agora, mas a base dela é uma expressão do que o Sociólogo Émile Durkheim chamava de "poder dos mortos sobre os vivos", que não tem nada de sobrenatural, é só a concepção de que tudo o que vivemos, as instituições, idéias e conceitos em que acreditamos, as regras que regem nosso comportamento social, cultural, familiar, afetivo etc, foram criadas por pessoas que já faleceram a muitos anos, pessoas que viviam numa sociedade completamente diversa da nossa, com problemas e questões completamente diferentes e, ao mesmo tempo, muito semelhantes.

A tirania dos mortos é essa situação social em que vivemos nossa vida segundo as regras ditadas por outras pessoas, especificamente pessoas que já faleceram. É quando jogamos (o termo em psicologia é "projetamos") a autonomia sobre nossas vidas para os "costumes", "leis", "regras" que foram criadas e ditadas há anos por outras pessoas, que viviam literalmente em outro mundo. Parte importante da Jornada do Herói, na verdade a primeira parte do treinamento - chamada 'Paidea' -, é justamente deixar isso bem claro para os nossos heróis. Fazer uma pergunta cuja resposta não pode ser um constrangimento interno: "Quem é o eixo-doador de sentido para a narrativa da sua vida?".

Isso quer dizer que o treinamento é contra as tradições, costumes, leis?

RK: Claro que não! De forma alguma! Isso quer dizer que o treinamento busca ensinar duas coisas importantíssimas: Autonomia e responsabilidade. Para sermos autônomos, para pensarmos por nós mesmos e para podermos tomar decisões baseadas em nossos crivos internos precisamos primeiro perceber o que é nosso e o que é imposto "de fora", seja pela sociedade, família, ambiente de trabalho, amigos, convenções sociais... percebendo o que é imposto de fora, por quem e, principalmente, porquê é imposto - a razão daquela imposição de idéias, de pensamentos e comportamentos, de modismos, de opiniões -, é que poderemos decidir aceitar ou não aquela idéia, agir ou não de acordo com aquele comportamento. Não há nada de errado em seguir um comportamento tradicional, desde que essa escolha tenha sido completamente sua, consciente e clara. Só aí há o mérito.

O mérito de um civil de sobe as escadas de um prédio em chamas para salvar uma criança pode ser considerado maior que o de um bombeiro que tenha feito a mesma coisa. Porque ele não tinha o treinamento necessário, porque ele não tinha acesso ao material necessário, mas principalmente porque não se esperava isso dele. Esperava-se que ele ligasse para os bombeiros, que ele se importasse primeiro consigo mesmo do que com a criança, que ele se acovardasse diante das chamas... heroísmo é medido em mérito e mérito é medido por essas expectativas, também.

Enfim, nada contra as tradições. Só a favor da escolha consciente em segui-las ou não. Mesmo saber quando romper uma tradição - ainda que mantendo muitas das suas orientações iniciais - é um ato divino. A obra maravilhosa do Rabino Nilton Bonder - "A Alma Imoral" - brincando filosoficamente entre os binômios "tradição-traição" trata genialmente do tema. Em certo sentido o carnaval é uma "traição" à "tradição" dos dias santos, mas é completamente necessário, inclusive para a manutenção da saúde mental de uma sociedade. Rigidez em excesso cristaliza em posturas como o nazismo da mesma forma como fluidez em excesso causa uma letargia enorme na sociedade, que não se levanta e não combate por nada, mesmo quando a causa é justa. Já dizia Apolo, em seu Oráculo na cidade de Delfos: "Méden Ágan" (nada em excesso).

Como era essa questão do Oráculo de Delfos? Isso tem a ver com a Jornada do Herói?

RK: Tem sim. Tudo a ver. Em um sentido simbólico. A palavra símbolo, vem do grego 'symbolón' que era um disco pequeno com duas partes, como se fosse um medalhão. Esse 'symbolon' teria frente e verso, como uma moeda. Então quando digo que o Oráculo de Delfos tem um sentido simbólico na Jornada do Herói quero dizer justamente que ele tem um caráter digamos "positivo" e um caráter "negativo" também. O caráter positivo é própria ideia de que haja um centro para onde as pessoas recorrem quando a vida delas perde o sentido. A idéia da existência desse centro é importante. Acreditar que haja um centro que pode nos indicar os caminhos a seguir, as decisões a tomar é importante.

Oráculo de Delfos,
pegadinha existencial...
Agora lembra o que eu disse sobre a questão da autonomia? Pois é. Aí é que está o outro lado do símbolo do Oráculo de Delfos. Todos os heróis gregos que foram ao Oráculo de Delfos tiveram um fim trágico ou uma batalha mortal onde perderam - ou tiveram de abrir mão - de partes importantes do que acreditavam que era "a sua vida". Heróis trágicos são em geral os que foram a Delfos buscar orientação. Por que isso? Porque quando projetamos nossas escolhas, nossa responsabilidade e nosso mérito em outro centro que não nós mesmos - no caso indo buscar respostas para a minha vida num lugar exterior a mim mesmo, Delfos - perdemos contato com o que há de mais íntimo em nós e abrimos mão do que caracteriza o herói, o mérito pela responsabilidade sobre os próprios atos. Aquela questão que falamos antes.

Mas por que as pessoas iam a Delfos fazer perguntas?

Herói questionando à sacerdotisa
(Pítia), no Oráculo de Delfos
RK: Essa é a melhor pergunta! Existem duas respostas para ela: a mitológica e a social. A social é a que nos interessa aqui, mas eu vou contar um pedaço do mito também, claro. A social é que heróis e pessoas comuns, reis e cidadãos iam ao Oráculo porque os pais dos pais de seus pais iam. Era uma tradição. Já perguntei à minha mãe porque ela acorda e liga a televisão e, depois de um tempo conversando, vi que a minha avó fazia isso. Veja, não estou julgando, até porque não me cabe. Estou apenas observando um padrão de comportamento de pessoas queridas e próximas a mim para depois perceber se eu faço o mesmo e aí sim julgar, para mim, se eu, Renato, quero seguir esse padrão ou não. O julgamento é sempre interno e referente à minha vida, nunca à alheia. Depois de perceber esse padrão interno, familiar, eu comecei a ver menos televisão, a definir melhor o que eu queria ver e o que eu não queria e não mais a deixar ela ligada direto. Hoje em dia eu nem vejo mais televisão, mas isso foi um processo lento de escolha autônoma pela internet como meio principal. Funciona para mim.

Gaia, Deusa Terra
Mas você me perguntou do mito sobre o Oráculo de Delfos. Ele responde também porque as pessoas iam tantas vezes a ele para "dar sentido à narrativa de suas vidas", que é um dos temas principais - se não for o tema principal da Jornada do Herói. Vou contar o mito sumariamente: Toda a terra, para os gregos, era o corpo de uma divindade feminina deitada. Os gregos, como se sabe, possuíam verdadeiro fascínio pela simetria e pelas formas, principalmente pela ideia de centro. Pois bem, qual o centro de um corpo? O umbigo, certo? Ele fica bem no meio. O Oráculo da cidade de Delfos, segundo os gregos, havia sido construído sobre uma pedra chamada "Ônfalos" ("umbigo", em português). Eles realmente acreditavam que o templo do Oráculo havia sido construído no centro do mundo, em cima do umbigo da Gaia! Além disso há outras histórias sobre o simbolismo do Oráculo. O deus responsável pelo Oráculo era Apolo que havia assassinado ali, em Delfos, a serpente Píton, repetindo o padrão que seu pai Zeus havia iniciado ao eliminar o dragão-serpente Tífon, respectivamente neto e filho de Gaia. Conto esses e outros mitos com mais detalhes e trabalho sobre eles durante a Jornada do Herói e agora terei ainda mais possibilidades de trabalhá-los no curso de mitologia on-line que estou abrindo por requisição dos meus ex-alunos da Jornada, que ficam fascinados com o universo mítico.

Então o Oráculo de Delfos, hoje em dia seria o quê exatamente?

Deus-Mercado
RK: Isso depende de você. Pode ser o "Todo-Poderoso Deus-Mercado" que vai decidir qual a faculdade é mais rentável para você agora, que vai acordar um dia eufórico, no outro depressivo, que vai julgar, condenar e absolver nações inteiras segundo as regras que mudam ao bel prazer dele. Pode ser esse tipo de tirano louco ensandecido que vai te socializar a ser agressivo, pró-ativo, combativo, hipercompetitivo, empreendedor, inquieto, eternamente carente, inseguro e por aí vai. Você fez uma cara engraçada quando eu disse "carente", é claro que é carente! Quem mais seria capaz de consumir desenfreadamente senão um ser humano radicalmente carente? É preciso que hajam carências intermináveis a suprir as necessidades de venda de um "Todo-Poderoso Deus Mercado" insaciável. Bem esse pode ser um Oráculo. Você pode tirar as suas respostas daí. Muita gente tem feito. E você vê o mundo no qual estamos vivendo...

Outro Oráculo possível hoje em dia é a "Toda Poderosa grande Mídia" que vai dizer que você tem que ficar em casa, ligar a tevê e não se socializar com outras pessoas, porque o mundo está muito perigoso, porque a "sensação de insegurança" e o "clima de violência" ou a "onda de medo" estão muito fortes e é melhor ficar em casa e - porque não? - ver mais um programinha de 10 minutos amassado entre 20 minutos de comerciais. Você também pode tirar as suas respostas daí.

Ao longo do treinamento da Jornada do Herói nós falaremos de outros oráculos, mas no geral acho que dá para perceber o quão trágico é seguir por eles. O quão problemático pode ser projetar tua autonomia e buscar orientação nesses lugares. Minha aposta pessoal e minha aposta como treinador é que o crivo interno, ser o eixo de sua própria vida, é mais interessante.

Pelo que entendi então a Jornada do Herói é um treinamento para desenvolver a autonomia e o mérito. Mas como isso é feito?

RK: O treinamento é dividido em quatro partes: Paidea, Katábasis, Anagnosis, Apoteosis. Essas partes são termos da jornada do herói mítico grego clássico e significam: Aprendizado ou preparação, mergulho nas trevas, autoconhecimento e encontro com os deuses.

Seguir o líder ou ser o SEU PRÓPRIO líder?
Na Paidéa temos o momento da "grande dúvida". É desconcertante para muitos heróis, no início. Na Katábasis temos o mergulho nas trevas, enfrentar os limites, crenças e valores que não são propriamente nossos, para retirar deles o que nos seja útil e descartar (matar e eliminar o grande dragão) tudo o que não concordamos ou que não nos traga nada de bom ou que nos limite a pensar de novas formas, a inovar. Na Anagnosis começaremos a usar a energia psíquica presente nos arquétipos (deuses gregos) conscientemente para criar novos projetos para a nossa vida, nossos negócios, nossa existência, e na apoteosis iremos além, nos preparando para levar esses projetos, negócios, enfim essa vida nova para o mundo "lá fora", porque o treinamento da Jornada é um laboratório. A vida real, o desafio real, se processa "lá fora", no cotidiano que devemos preencher de significado e vida!

Até agora estivemos conversando só sobre a Paidea, sobre o que acontece no início da Jornada, que é justamente essa parte do treinamento em que começamos a duvidar do que vem "de fora", duvidar que vivamos no "melhor dos mundos possíveis" e que todas as idéias já foram pensadas, todas as melhores alternativas já foram tentadas e que não há nada mais útil e funcional do que nos resignarmos com as respostas que vêm "de fora", do Mercado, da Mídia, da Moda, etc. Só acreditando que outras realidades são possíveis, outro sistema de valores, outros comportamentos, outras individualidades são possíveis é que poderemos realmente inovar e instaurar algo de significativo e novo no mundo. Steve Jobs, se não acreditasse em tecnologia portátil com baterias de longa duração não teria criado o império da Apple, Jung se não acreditasse que os mitos eram mais que historinhas de povos primitivos e que significavam padrões de comportamento típicos do ser humano - seja ele japonês, norte-americano, brasileiro ou nigeriano - não teria desenvolvido a genial psicologia analítica, Einstein se não tivesse duvidado da noção de espaço e de tempo newtonianos que era a única aceita em seu tempo, não teria desenvolvido a teoria da relatividade, Mahatma Gandhi não teria libertado a Índia do império britânico se não duvidasse de que aquilo era inevitável e não teria feito da forma que fez, sem dar um tiro, se não acreditasse que isso era plenamente possível. Essa é a primeira parte da Jornada do Herói, duvidar para acreditar.

(...)
_______
Fim da primeira parte da entrevista, a seguir: Katábasis, o caminho do herói e as noções de compromisso e desafio.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Nova versão da Palestra on-line da Jornada do Herói!

O grande amigo Edegar Ferreira fez para mim uma nova e melhorada versão da Palestra On-Line sobre o treinamento A Jornada do Herói, que será ministrado em Niterói nos dias 9 e 16 de julho.

Para ver a nova e melhorada versão da palestra clique AQUI.
Ou aqui: http://www.megavideo.com/?v=MJ1MYHZQ

Para fazer sua inscrição no treinamento criado e patenteado pelo Instituto ATENA, escreva para contato@institutoatena.com


Bem vindo à Jornada!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Katábasis: Salto para a coragem

"Não há lugar na terra onde a morte não nos possa alcançar - mesmo que voltemos a cabeça uma e outra vez perscrutando em todas as direções, como numa terra estranha e suspeita... Se houvesse algum modo de conseguir abrigo contra os golpes da morte - não sou homem de recuar diante dela... Mas é loucura pensar que se pode vencê-la..." - Michel de Montaigne

Vivemos numa sociedade em que adiamos. Se antigamente éramos "o cadáver adiado que procria" (Fernando Pessoa), hoje somos uma felicidade adiada que produz. Adiamos a maturidade, a responsabilidade por nossas escolhas, projetamos nossa autonomia numa busca por um "líder" que nos salve de toda dor e sofrimento, de toda falta de sentido e toda ausência de significado e direção em nossas vidas. Vivemos no que eu gosto de compreender como a "patologia social da liderança", uma doença social contemporânea. Incapazes de dar sentido para a realidade que nos cerca, procuramos desesperadamente as asas de um "grande pai" ou "grande mãe", de uma grande idéia ou de uma grande pessoa que nos oriente, que nos traga a fugidia coesão para a nossa história pessoal, social, cultural. Adiamos nossa maturidade.


"Tudo é dor, e toda dor vem do desejo, de não sentirmos dor" - Renato Russo, Quando o sol bater na janela do seu quarto
Sidarta Gautama, o Buda, em sua leitura sobre o mundo, chega a oito grandes conclusões, o que os budistas denominam como "A Nobre Senda Óctupla". Dessas oito conclusões as duas primeiras nos interessam mais, por tratarem exclusivamente da lógica da Katábasis, parte central do treinamento da Jornada do Herói. Essas duas primeiras conclusões dizem:

1. A natureza da vida é dor.
2. Toda dor vem do desejo ignorante.

Nós sofremos enquanto vivemos, perdemos nossos avós, perdemos nossa inocência, a imagem de perfeição que temos de nossos pais, nossas certezas, nossas companhias do passado, nossos amores, alguns amigos, e isso faz parte da vida. A vida é passagem, e nessa passagem há morte, e essa morte é parte da vida e ignorarmos isso, desejar ignorantemente que a vida não passe, que alguma "felicidade absoluta" se estabeleça num fantasioso "para sempre" é o caminho mais rápido para a eterna frustração.

A morte, um ode à vida
Fênix, símbolo da vida que morre e renasce,
recria-se a partir de sua própria destruição
A vida passou, passa e passará enquanto tentamos criar castelos na areia e, através dessa compreensão, passamos não a ignorarmos a vida ou a termos uma perspectiva pessimista, mas a ter a real dimensão dos nossos castelos e a aproveitarmos profundamente cada segundo, enquanto ele acontece. Você deixaria de viver cada um dos momentos de maior felicidade da sua vida, só porque sabe que eles passariam? Ou, sabendo que eles passariam, você viveria cada um deles com a máxima intensidade possível?

Viver a Katábasis, viver a queda
A Katábasis, o mergulho nas trevas, significa o abrir-mo-nos para viver essa perda, o deixar passar tudo o que não é mais nosso, aquela carga extra de certezas velhas, de padrões de pensamentos antiquados, de crenças limitantes e desestimulantes que nos tragam para longe do que queremos ser, que nos atrasam. Viver a Katábasis é deixar passar, é dizer sim à morte, a essa morte do que já não somos, para que possamos nos tornar o que desejamos ser. A Katábasis é a dor libertadora de um profundo banho interno do qual saímos renovados, revitalizados.

A citação de Montaigne, com a qual iniciamos esse texto, só poderia ser bem fechada com uma outra citação, genial, do mesmo autor:

"Para começar a tirar da morte seu grande trunfo sobre nós, adotemos o caminho contrário ao usual; vamos privar a morte de sua estranheza, vamos frequentá-la, acostumarmo-nos a ela; não tenhamos nada senão ela em mente... Não sabemos onde a morte nos espera: então vamos por ela esperar em toda parte. Praticar a morte é praticar a liberdade. Um homem que aprendeu como morrer desaprendeu a ser escravo." - Michel de Montaigne

Morra e renasça na Jornada do Herói.

Texto por: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador do treinamento A Jornada do Herói

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Palestra on line sobre o Curso "A Jornada do Herói"


A Palestra on-line sobre o curso "A Jornada do Herói" ocorreu nessa terça feira 24 e teve mais de 50 pessoas assistindo ao vivo.

Numa votação de zero a cinco estrelas, levamos as cinco para casa!

Tivemos o prazer de sermos convidados para ministrar o curso no Espírito Santo, São Paulo, Colômbia e até Portugal!

Contamos mais de dez mitos de deuses gregos, entre eles Atená, Dioniso, Éris, Nike e muitos outros...

Foi maravilhoso poder ter essa receptividade e carinho ao meu trabalho e paixão. Obrigado a todos!

Para ver a palestra na íntegra, clique no link abaixo e, dentro dele, em "View Recording"
http://www.wiziq.com/online-class/548594-a-jornada-do-her%C3%B3i-com-renato-kress



Informações sobre o curso:
http://www.institutoatena.com/jornada.html

16 horas de curso
2 sábados
Material único: Apostila 100% ecológica, CD com material extra-classe. Materiais exclusivos para a realização das dinâmicas.

Contatos, perguntas, inscrições:
contato@institutoatena.com

Atreva-se a ser o Herói da sua Jornada!

A Jornada do Herói: Katábasis, o mergulho nas trevas interiores

Eu sou aquilo que vai
Se o Renato de uma década atrás encontrasse o Renato de agora provavelmente teria um susto. Em muitos aspectos sou muito menos do que esperava ser aos vinte e oito anos e em outros aspectos sou muito mais. Há sempre uma construção nossa, uma perspectiva de que iremos desenvolver determinados projetos, faremos determinadas idéias se materializarem em nossas trajetórias, movimentaremos essa ou aquela idéia, nos casaremos, teremos mais tempo para isso, menos para aquilo...
Estamos continuamente nos criando e recriando, lentamente adquirindo e descartando pequenas partes de pertencimento, transformando essência intrínseca em anuência extrínseca e vice versa. Viver é recriar-se e recriar-se é definir o que queremos que nos acompanhe de agora em diante e o que dispensamos, aquilo que "já deu o que tinha que dar", que já "perdeu o sentido". Determinados relacionamentos, profissionais, afetivos, pessoais, sociais, são necessários para que aprendamos essa ou aquela maneira de encararmos o mundo, de vivermos essa ou aquela experiência específica. É assim que - os que observam e refletem - adquirem experiência.


Para quem não está de olhos bem abertos é possível viver toda uma experiência humana, toda uma vida, acumulando um mínimo de aprendizado e maturidade. É possível e mesmo esperado, dentro da cultura de medo em que somos submersos pela mídia contemporânea: medo de não pertencer, de não ser bom o suficiente, de não ser "líder", pró-ativo, reativo, agressivo, bem sucedido etc. Mas será que vale a pena?

Tempo Forte, tempo de criação
Começo a observar essas possibilidades e trabalhar com a idéia de "tempo forte" do romeno Mircea Eliade, um historiador romeno das religiões. Segundo ele no "tempo forte" é que todas as realidades são criadas, estruturadas, e é a partir do "tempo forte" que nós dotamos a vida de sentido.

Quando sofremos uma perda grande em nossas vidas, seja uma pessoa querida, uma grande verdade na qual nos alicerçávamos ou uma determinada situação que julgávamos como "resolvida", reestruturamos os valores pelos quais pautamos nossas vidas. Quando percebemos que nossa lógica de pensamento e ação não está seguindo por um caminho que nos satisfaça às aspirações, repensamos as linhas mestras que nos levaram até ali. É então que o "tempo forte" se manifesta. Através de uma grande dor interna que desencadeia uma grande quantidade de energia, com um potencial absurdo para a mudança. É aí, nesse instante que reside "o tempo forte".

O Bardo, tempo de oportunidade
O budismo tibetano possui um conceito denominado "bardo" que o monge Sogyal Rimpoche explica no seu Livro Tibetano do Viver e do Morrer da seguinte forma:
"Os bardos são oportunidades particularmente poderosas para a liberação porque são, segundo nos mostram os ensinamentos, certos momentos muito mais poderosos que outros, e muito mais carregados de potencial; tudo o que se faz neles tem um efeito crucial e de longo alcance. Penso num bardo como num momento em que se marcha para a beira de um precipício; tal momento, por exemplo, ocorre quando um mestre introduz um discípulo à natureza essencial, original e mais profunda da mente..."

A Jornada do Herói e o "Mergulho nas Trevas"
Dentro do curso A Jornada do Herói, criado e patenteado pelo Instituto ATENA, temos uma técnica denominada "katábasis" que é justamente essa idéia de, dentro de um ambiente sob controle do aluno e dentro de suas capacidades e perspectivas, operar a criação de um "tempo forte", de um "bardo", no qual teremos a oportunidade de desenvolver as mudanças necessárias a que levemos a vida que desejamos levar.

É um momento em que agradecemos aos nossos "grandes opositores" aos nossos "inimigos internos" por todas as suas intenções positivas, aceitando o que nos cabe e descartando o que não mais condiz com a nossa fase da vida. É a oportunidade de agradecer aos aprendizados, tomar consciência de nós mesmos e deixarmos morrer tudo aquilo que "já não mais nos pertence" mas que por alguma desatenção interna carregávamos como fardos desnecessários, quando algumas grandes verdades da infância ou adolescência podem ser repensadas e reestruturadas.

É sinceramente prazeroso ver muitos heróis, cada qual em sua jornada, se desfazendo de grandes verdades que já não lhes cabem hoje em dia, sempre mantendo a intenção positiva de "proteção", "respeito e cuidado para consigo mesmo", e outras que vierem a ser percebidas e reestruturando essas intenções positivas com o conhecimento que possuem de hoje. Porque o Renato de dez anos atrás não saberia lidar com os desafios que motivam o Renato de agora.

A arte do mergulho interior, a Katábasis
A Katábasis é uma técnica desenvolvida misturando programação neurolingüística, estados alterados da consciência, hipnose, xamanismo e estudos antropológicos acerca de estados iniciatórios e "tempos fortes" de diversas culturas e narrativas mitológicas mundiais. Uma técnica criada e patenteada exclusivamente para ser ministrada no curso A Jornada do Herói.

Por que mergulhar?
Como já foi dito antes é perfeitamente possível viver toda a vida sem repensarmos nossas atitudes e perspectivas em relação a nós mesmos. Sem reestruturarmos nossas certezas, nossas crenças, nossas perspectivas e vivências. Mas viver a vida assim, carregando as certezas de uma infância, de uma adolescência até mesmo do início da idade adulta, é corrermos o risco de nunca assumirmos a responsabilidade sobre nossas crenças, sobre nossas ações no mundo. É uma vida infantil e sem mérito. Assumir uma postura no trabalho porque uma revista ditou a nova moda gerencial, tratar meu filhos assim ou assado porque o meu pai tratava, agir dessa ou daquela forma porque "assim me foi passado". As tradições e as formas de levarmos a vida estão aí para serem conhecidas, nunca para substituir nossa autonomia e responsabilidade sobre nossos atos, escolhas e muito menos sobre a vida que levamos. Que eu conte histórias para meus filhos porque meu pai contava histórias para mim, claro, mas que eu escolha contar conscientemente cada uma delas, que seja parte de mim, escolhas responsáveis e conscientes, para que o mérito dele ou do avô do avô dele (quando criou essa "tradição familiar") não seja deixado para trás. Do contrário a própria "tradição" perde o seu sentido.

"Se nos recusarmos a aceitar a morte agora, enquanto ainda estamos vivos, pagaremos caros por isso no correr de nossas vidas, no momento da morte e depois dela. Os efeitos dessa recusa vão arruinar essa vida, e todas as outras que virão. Não seremos capazes de viver nossas vidas plenamente; ficaremos aprisionados no exato aspecto de nós mesmos que deve morrer. Essa ignorância nos despojará do elemento principal na nossa jornada para a iluminação, capturando-nos para sempre no reino da ilusão..." - Sogyal Rimpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer.

Mergulhar na Katábasis é reduzir ao mínimo denominador comum. Que, em linguagem da programação neurolingüística, é sempre reduzir à intenção positiva. A Katábasis é a forma de encontrar o alicerce dessa intenção positiva e ser responsável pelo que a partir dela será criado. É um primeiro passo para sermos os protagonistas de nossas próprias histórias.

Artigo por: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador do curso A Jornada do Herói