segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Jornada do Herói®, uma viagem arquetípica

"A alma é como um viajante, que atravessa terras distantes, conhece pessoas e lugares, alimenta-se e cresce com inúmeras vivências, mas, apesar de ser influenciada por tudo isso, tem natureza própria" - Carlos Amadeu Botelho Byington, in O Simbolismo nas culturas indígenas brasileiras

Gênese de uma Jornada
Cada nova Jornada, cada nova turma é um novo universo. Há uma nova língua a ser gerada, no interior das nossas relações, um novo campo que se forma quando fechamos a porta da sala e, para além dos acontecimentos externos, estamos ali, reunidos, no olho do furacão. Estar no olho do furacão é estar na calmaria, no silêncio que precede a tempestade do mundo exterior. É disso que se trata um treinamento: Um laboratório para experiências, um campo de testes, uma antecipação coordenada do desafio da vida.

Sem preparação, treino e disciplina seria impossível, para qualquer atleta, ator, cientista, empresário ou escritor, alcançar seus resultados surpreendentes. Mas é preciso que essa preparação e treino sejam bem embasados e conduzidos por uma linha mestra bem planejada. Ainda que as partes mais densas da Jornada só possam ser efetuadas pessoal e intransferivelmente por cada herói, precisamos de alguém experiente segurando a outra ponta do fio de Ariadne, no final do labirinto.

É preciso conhecer os mitos
O trabalho e as vivências através da Jornada do Herói® ocorrem baseados em muitos campos do conhecimento. O primeiro e mais básico deles é o conhecimento mítico. É preciso efetivamente conhecer as histórias das narrativas heróicas, saber recontá-las e revivê-las, enquanto as recontamos. Só assim poderemos compreender a essência da Jornada, que é essa re-escrita, essa reestruturação e reconstrução da narrativa da vida de cada um de nós. 

Os mitos são padrões a serem conhecidos, são mapas para a Jornada, mas que só podem servir como tais se vistos sobrepostos, se colocarmos um mito asteca sobre um mito grego e um yanomami, todos sobre um mito japonês, aí então teremos um padrão relevante para trabalharmos em nossa mente. O que se repete no mito é o que se repete na mente. A intimidade entre o mito e a estrutura da mente humana foi ressaltada tanto por Sigmund Freud como por seu discípulo e sucessor, Carl Gustav Jung.

A Jornada na mente
O trabalho na Jornada é feito através de símbolos. Simplesmente porque quando nossa psique quer nos dar uma informação nova, quando ela nos presenteia (em sonhos ou despertos) com algum "ouro" escavado pelas nossas sinapses em trabalho constante ao longo de nossas vidas, a mensagem sempre vem na forma de um símbolo. O inconsciente fala por símbolos, por imagens, por metáforas. Nossos sonhos, por exemplo, não são "racionais" no sentido estrito do termo, mas simbólicos. Precisam ser "traduzidos" por nossa mente racional e consciente, posteriormente.

Os símbolos variam enormemente, podendo estar ligados a situações durante a vida ou além dela, e podem incluir componentes sexuais, estéticos ou de poder, mas seus arquétipos (seus "tipos primitivos" ou "tipos básicos") estão enraizados na dimensão psíquica. O mito fascina porque desvela o que há de mais íntimo em nossas mentes.

O trabalho de tradução do mito para a estrutura da mente se dá pela análise das estruturas arquetípicas, do que chamamos comumente de "arquétipos". Arquétipos são matrizes organizadoras de símbolos, correspondem, por exemplo, ao que encontramos quando cruzamos vários mitos de várias partes do mundo. A evolução do córtex do ser humano levou-o à possibilidade de abstrair muito, e isso aumentou a complexidade da ação humana. Os arquétipos são formas de conhecermos as bases dessa complexidade. Tudo o que existe pode ser percebido à luz do nosso sistema arquetípico ou simbólico, quer estejamos conscientes ou não. 

As narrativas heróicas de cada um
As coisas se tornam simbólicas para o ser humano quando são incorporadas ao processo de desenvolvimento de sua dimensão psíquica. Ou seja, tornamos simbólicas as experiências que dão sentido à nossa existência. O que dá sentido à nossa existência se incorpora em nossas mentes na forma de crenças e valores que vão moldando o desenvolvimento de nossa identidade. 

Revisitar nossas crenças e valores é que é o verdadeiro destino da Jornada do Herói
®. Através desse mergulho é que poderemos efetuar o cerne desse treinamento que é alinhar nossas metas contemporâneas - o que queremos hoje, em nossas vidas - com nossos valores. Isso é um ponto chave para a Jornada porque o ser humano precisa dotar de sentido o universo ao seu redor e, mesmo que uma meta seja racionalmente estipulada e intelectualmente calculada para "dar certo" se ela não for congruente com seus valores e suas crenças, com aquilo que constrói sua identidade, você se sabotará. Mesmo e principalmente sem perceber. A forma mais simples e mais poderosa de auto-sabotagem é essa: ter metas incongruentes com seus valores.

Precisamos de sentido, precisamos dar significado
Mas como alinhar o que se quer com quem se é? Nesse ponto é que a Jornada se torna uma estrutura narrativa, ou seja, um processo linear de começo, meio e fim onde um ponto necessariamente está em consonância com os pontos que o precedem. É preciso criar uma história de si mesmo e, para isso, não precisamos ser grandes autores, apenas ter em mente o que Aquiles tinha quando escolheu ir combater em Tróia, mesmo sabendo que um oráculo previa sua morte: que a vida não é infinita e que seremos lembrados pelo que efetivamente fizemos. É preciso reconectar-se com o corpo, com a matéria e com a finitude e impregnar elas com o sentido da nossa alma. Só assim criaremos as melhores narrativas de nós mesmos, nossas próprias e honrosas jornadas.

Consciência do processo
Típica imagem alquímica de um Uroboros
Para ser o condutor de uma Jornada do Herói® e trabalhar com várias faixas etárias é preciso conhecer as cinco fases arquetípicas pelas quais os heróis podem estar passando: a fase urobórica, a fase puer, a fase matriarcal, a fase patriarcal e a fase sênex.

Na primeira fase, a urobórica, ou nem nascemos ou acabamos de nascer, e ainda temos uma passividade completa da consciência, que só existe de forma latente e ainda está começando a se afastar da consciência materna.

No padrão matriarcal o Ego adquire capacidade de relacionamento binário, seccionando o mundo entre pólos opostos com pouca integração e muita disputa, é onde está a mídia contemporânea e onde se localiza a maior parte dos discursos políticos: culpando o outro (que é sempre visto como inimigo e como inferior) e se mostrando como super-humanos infalíveis. Esse padrão tem forte tendência a gerar uma psique recheada de idealizações onde todos são maravilhosos ou péssimos e ninguém é essencialmente humano.

Na fase patriarcal o Ego adquire capacidade de relacionamento ternário pois já é capaz de manter a identidade íntegra enquanto se relaciona com outras polaridades a partir de uma terceira posição. Seus posicionamentos tendem a ser, no entanto, rígidos. É através do arquétipo da alteridade que o Ego atinge a autonomia com flexibilidade suficiente para manter uma posição discriminada e não autocentrada.

Na fase sênex (velho sábio, ou velho louco) a mente procura profundidade e estabilidade, deixando que o Ego lentamente se apequene e procurando tomar conhecimento dos demais pontos de vista envolvidos num mesma situação ou mesmo deixar de influir diretamente sobre ela, o que pode ser considerado uma atitude sábia ou insana, senil.

Estruturar o eixo, estruturar o centro
Muitas dessas fases ocorrem na mente do Herói dentro da jornada e é necessário que o condutor as saiba identificar e trabalhar ao longo do processo do treinamento. É necessário, principalmente, que o condutor esteja atento às possibilidades de integração das polaridades que se formem ao longo do processo, afinal, a Jornada é um percurso biográfico que visa ao desenvolvimento de um self (centro doador de sentido para o mundo) integrado.

Toda mitologia tem um "centro do mundo", um oráculo de Delfos, uma Ygdrassil (Árvore da vida na mitologia Celta), uma Caaba, um Monte das Oliveiras, um Monte Fuji ou um Monte Meru. Todo rei tem uma coroa que liga o céu à terra, a mente ao corpo, o espírito à matéria, assim como um cetro, uma espécie de coluna ou viga que sustenta toda a construção ao redor daquele rei, aquilo que estrutura seu reinado. Isso é o que o psicólogo suíço Carl G. Jung chamou de "Self".

Existem momentos em que toda a dissertação do mundo não vale uma boa história, então vamos a ela:

Parsifal e o Graal (versão)
Parsifal, filho de um dos cavaleiros da Távola Redonda do famoso Rei Arthur, foi criado isolado de tudo e de todos por sua mãe super-protetora. Depois de alguma insistência do menino conseguiu de sua mãe a permissão para ir conhecer o mundo, desde que o fizesse com roupa de bufão (bobo da corte). A mãe esperava que assim ele fosse ridicularizado e voltasse imediatamente para junto dela. Mas não foi assim que tudo ocorreu. Parsifal encontrou o castelo de um nobre chamado Gurnemanz que o instruiu na arte da cavalaria - e trocou suas roupas ridículas - antes que ele recomeçasse sua peregrinação. 

A rainha Isabel e seu cetro
Chegando a uma terra distante onde os campos eram desertos e estéreis, Parsifal encontrou um castelo em ruínas, e, dentro dele, um rei moribundo, que se debatia na cama em grande aflição. Parsifal caminhou diretamente ao rei e lhe fez duas perguntas. "Senhor, o que vos aflige?", ao que o Rei contou-lhe sua história, dizendo ser o "Rei do Graal" e que havia contraído uma estranha doença após uma ferida na virilha durante uma caçada. Após a explanação do Rei, Parsifal olhou-o profunda e pausadamente nos olhos e perguntou "Senhor, a quem serve o Graal?". Ao ouvir essa pergunta o Rei se colocou de pé, colocou a coroa em sua cabeça, caminhou até seu trono, apossou-se do Graal e, com ele, bteu seu cetro no chão, fazendo as muralhas do castelo se reconstruírem e os campos florescerem e frutificarem.

Às vezes, tudo o que precisamos, é saber a quem serve as nossas atitudes e posicionamentos. Às vezes, tudo o que precisamos, é lembrar onde está o centro.

Artigo por Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador do treinamento registrado "A Jornada do Herói
®"