sexta-feira, 15 de abril de 2011

Eis o Homem

Quando olhamos para o Cristo Redentor, no alto de Santa Teresa, de braços abertos para toda a cidade do Rio de Janeiro, podemos pensar em Deus, podemos literal e espiritualmente "elevar nossos pensamentos", "direcionar nossas vibrações, orações e percepções para o alto", quando vemos as gigantescas estátuas de Buda, pensamos na indivisão entre espírito e matéria, no uno, indiferenciado, no cosmos. Pensamos na transcendência, no imanente, no eterno. Raramente pensamos no homem. 

Como se pensa o homem?
Quando pensamos no homem, no ser humano, logo nos inundam imagens de guerras, de chacinas, de violência, intolerância e agressividade. É o que somos condicionados para ver e crer, para compreender e para viver, o homem como o portador das piores desgraças, o homem como um vírus, depredando e aniquilando o planeta. Mas quem construiu o Cristo? Quem levantou as estátuas gigantes do Buda, as milhares de stupas e pagodas do rei Asoka pelos confins mais longínquos da Índia? Quem criou a arquitetura da Catedral de Chartres, a cidade de Petra, os jardins japoneses onde não se sabe onde a mão do homem acaba e começa a mão da natureza? O homem pode ser magnífico!


Como cientista político sou educado para observar os interesses por trás de cada ação humana. Quando observo os jornais deflagrando o medo, disseminando a intolerância, a prepotência, a arrogância, o sentimento reacionário de agressão e competitividade entre os homens, penso imediatamente que o horário televisivo é pago e que alguém ou algum sistema se beneficia em menosprezar, diaria e cotidianamente a figura do homem.

No célebre Mahabharata, a apopéia indu da construção do mundo pela ascenção da família dos Pândavas, está a frase: "E agora vou contar-lhe o segredo dos segredos: em todo este universo, não há nada maior do que o homem".

Potencial humano
Essa afirmação, pensada através de nossas lentes ocidentais, viciadas em compreender as relações internas e externas do homem como variações de um jogo de poder, seja através do ego seja através da hierarquia de poderes na sociedade, pode parecer completamente patológica, criada por um ego paranóico ou megalomaníaco a exemplo de alguns tiranos e políticos da história, convencidos de sua sublime importância pessoal. Mas não estamos falando aqui da grandeza de um ego pessoal ou de suas ambições, e sim da grandeza do potencial humano. Potencial que não mais pessoal do que universal, natural a todo ser humano.

Expectativas e jogos de frustração
Você está convencido, com exceção dos estados emocionais de exaltação, da sua própria grandeza e da grandeza do homem? você está em desacordo consigo mesmo, cheio de mal-estares, de culpas, de vergonha às vezes, não tem amor por si mesmo porque está decepcionado demais, não sendo o que os adultos esperavam de você quando você era criança?

Mídia e Medo
Não costumamos ter uma alta opinião do que é o homem, tampouco os outros têm acerca de nós. É triste termos de reconhecer que a nossa civilização, o nosso meio cultural, não faz nada para dar essa alta idéia do que é o homem. Podem nos fazer admirar os feitos dos atletas ou dos cientistas, podem dar o prêmio Nobel a uma santa como Madre Teresa que consagrou a vida ao próximo por amor a Cristo, mas os meios de comunicação nos mostram essa grandeza e essa dignidade intrínsecas a todo homem? E que tipo de homem temos sido levados a admirar? O empresário acumulador? O jogador mercenário? O político espertalhão?

Um produtor e apresentador de TV francês dos anos 1950, Arnaud Desjardins, numa sucessão de viagens ao Oriente em busca de respostas a várias questões fez a seguinte pergunta a um mestre em um Ashram: "Como é possível apreciar o valor do alimento que se dá a si mesmo ou que propõem os outros ao público?" a resposta a essa pergutna foi: "Dar uma alta opinião do que é o homem." Essa resposta deixou o apresentador mudo. Até então ele não tinha percebido em quão baixa conta tinha o restante da humanidade. Tinha uma alta idéia de místicos, mártires, santos, mas não da humanidade. Postas determinadas e muito especiais pessoas à parte, o resto da humanidade - para ele, até então - vivia no medo, na ignorância, na neurose, escrava de desejos e recusas. Desjardins mais tarde declarou: "Além de qualquer questão de vaidade, orgulho, pretensão, além das humilhações ou das lisonjas do ego, descobri um sentimento de dignidade e responsabilidade." Os conceitos de "Areté" e "Timé", as palavras que dão título a esse blog, significam "Superioridade" e "Honra", respectivamente, mas poderiam muito bem terem sido traduzidas como "Dignidade" e "Responsabilidade".

A linha da dignidade
Quando nos propomos a sermos o melhor de nós mesmos compreendemos que existem coisas que simplesmente não faremos. Entre se alistar no exército para travar lutas e matar em nome de uma causa que não me convence, posso escolher fugir, ou em último caso não fazer nada, ou posso simplesmente decidir que nada vale o assassínio de outro ser humano. Certas atitudes estão abaixo da minha dignidade. Compreender a grandeza de sermos humanos engloba, também, compreender e respeitar os limites inerentes a essa condição, principalmente os que nos impomos, aqueles que constroem nosso caráter.

Toda nossa sociedade, odiernamente, parece construída em prol do desmantelamento do caráter humano. E isso serve, claramente, a um interesse. Porque muito dinheiro e muitos recursos são dispendidos para isso. Para evitar que certas perguntas sejam feitas.

Perguntas e perspectivas
Existem perguntas que amedrontam aos que vivem de amedrontar diariamente, televisivamente, midiaticamente. Por exemplo: O que faríamos se soubéssemos o que somos capazes de fazer? Que seres humanos seríamos e que atitudes consideraríamos "abaixo da nossa dignidade"? Engolir a seco que todos querem competir comigo, que não se pode confiar em ninguém e que o mundo é dos mais "espertos"? Talvez essas idéias fossem risíveis.

Um restaurante de outro planeta, em Botafogo
Outro dia fui a um restaurante de comida natural em Botafogo. Uma amiga produtora de cinema me apresentou o espaço. Completamente imerso num terreno pessoal, parecíamos estar em uma casa da Ilha Grande. O interessante mesmo do espaço, para além da comida deliciosa e do suco de laranja com gengibre, era a forma de pagar. No centro do restaurante, à vista de todos os clientes, havia uma caixa de madeira, aberta. Dentro dessa caixa haviam notas de cem, cinquenta, vinte, até dois reais. À hora de pagar a conta pedi que fechassem para mim e o gerente me trouxe um papel com o total e saiu. minha amiga me levou até aquela caixinha, no centro do restaurante e paguei com uma nota de cinquenta, tirando o troco das notas dentro da caixa. A cena toda me pareceu completamente surreal, e foi quando eu percebi também, que não tenho uma boa imagem do homem. Que paguei e peguei o troco certo e também me preocupei se todos fariam o mesmo depois de mim, ou tinham feito o mesmo antes. Meus pensamentos me constrangeram mais que os olhares ao redor e comecei a repensar a imagem que tenho do ser humano. Perguntei ao gerente se aquela forma de pagamento não havia dado problema. A resposta dele foi: "Menos que com Visa", e pediu licença para atender uma mesa e saiu rindo. Ele deve estar acostumado com o estranhamento.

E você? Como tem pensado sobre o homem? Que tipo de imagem têm acerca dos seres humanos? Como essa imagem modifica e condiciona seu comportamento, sua vida, sua história? Como seria enxergar a dignidade e a seriedade de cada um?

Texto: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA