"Não há lugar na terra onde a morte não nos possa alcançar - mesmo que voltemos a cabeça uma e outra vez perscrutando em todas as direções, como numa terra estranha e suspeita... Se houvesse algum modo de conseguir abrigo contra os golpes da morte - não sou homem de recuar diante dela... Mas é loucura pensar que se pode vencê-la..." - Michel de Montaigne
Vivemos numa sociedade em que adiamos. Se antigamente éramos "o cadáver adiado que procria" (Fernando Pessoa), hoje somos uma felicidade adiada que produz. Adiamos a maturidade, a responsabilidade por nossas escolhas, projetamos nossa autonomia numa busca por um "líder" que nos salve de toda dor e sofrimento, de toda falta de sentido e toda ausência de significado e direção em nossas vidas. Vivemos no que eu gosto de compreender como a "patologia social da liderança", uma doença social contemporânea. Incapazes de dar sentido para a realidade que nos cerca, procuramos desesperadamente as asas de um "grande pai" ou "grande mãe", de uma grande idéia ou de uma grande pessoa que nos oriente, que nos traga a fugidia coesão para a nossa história pessoal, social, cultural. Adiamos nossa maturidade.
"Tudo é dor, e toda dor vem do desejo, de não sentirmos dor" - Renato Russo, Quando o sol bater na janela do seu quarto
Sidarta Gautama, o Buda, em sua leitura sobre o mundo, chega a oito grandes conclusões, o que os budistas denominam como "A Nobre Senda Óctupla". Dessas oito conclusões as duas primeiras nos interessam mais, por tratarem exclusivamente da lógica da Katábasis, parte central do treinamento da Jornada do Herói. Essas duas primeiras conclusões dizem:
1. A natureza da vida é dor.
2. Toda dor vem do desejo ignorante.
Nós sofremos enquanto vivemos, perdemos nossos avós, perdemos nossa inocência, a imagem de perfeição que temos de nossos pais, nossas certezas, nossas companhias do passado, nossos amores, alguns amigos, e isso faz parte da vida. A vida é passagem, e nessa passagem há morte, e essa morte é parte da vida e ignorarmos isso, desejar ignorantemente que a vida não passe, que alguma "felicidade absoluta" se estabeleça num fantasioso "para sempre" é o caminho mais rápido para a eterna frustração.
A morte, um ode à vida
A vida passou, passa e passará enquanto tentamos criar castelos na areia e, através dessa compreensão, passamos não a ignorarmos a vida ou a termos uma perspectiva pessimista, mas a ter a real dimensão dos nossos castelos e a aproveitarmos profundamente cada segundo, enquanto ele acontece. Você deixaria de viver cada um dos momentos de maior felicidade da sua vida, só porque sabe que eles passariam? Ou, sabendo que eles passariam, você viveria cada um deles com a máxima intensidade possível?
Viver a Katábasis, viver a queda
A Katábasis, o mergulho nas trevas, significa o abrir-mo-nos para viver essa perda, o deixar passar tudo o que não é mais nosso, aquela carga extra de certezas velhas, de padrões de pensamentos antiquados, de crenças limitantes e desestimulantes que nos tragam para longe do que queremos ser, que nos atrasam. Viver a Katábasis é deixar passar, é dizer sim à morte, a essa morte do que já não somos, para que possamos nos tornar o que desejamos ser. A Katábasis é a dor libertadora de um profundo banho interno do qual saímos renovados, revitalizados.
A citação de Montaigne, com a qual iniciamos esse texto, só poderia ser bem fechada com uma outra citação, genial, do mesmo autor:
"Para começar a tirar da morte seu grande trunfo sobre nós, adotemos o caminho contrário ao usual; vamos privar a morte de sua estranheza, vamos frequentá-la, acostumarmo-nos a ela; não tenhamos nada senão ela em mente... Não sabemos onde a morte nos espera: então vamos por ela esperar em toda parte. Praticar a morte é praticar a liberdade. Um homem que aprendeu como morrer desaprendeu a ser escravo." - Michel de Montaigne
Morra e renasça na Jornada do Herói.
Texto por: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador do treinamento A Jornada do Herói
Vivemos numa sociedade em que adiamos. Se antigamente éramos "o cadáver adiado que procria" (Fernando Pessoa), hoje somos uma felicidade adiada que produz. Adiamos a maturidade, a responsabilidade por nossas escolhas, projetamos nossa autonomia numa busca por um "líder" que nos salve de toda dor e sofrimento, de toda falta de sentido e toda ausência de significado e direção em nossas vidas. Vivemos no que eu gosto de compreender como a "patologia social da liderança", uma doença social contemporânea. Incapazes de dar sentido para a realidade que nos cerca, procuramos desesperadamente as asas de um "grande pai" ou "grande mãe", de uma grande idéia ou de uma grande pessoa que nos oriente, que nos traga a fugidia coesão para a nossa história pessoal, social, cultural. Adiamos nossa maturidade.
"Tudo é dor, e toda dor vem do desejo, de não sentirmos dor" - Renato Russo, Quando o sol bater na janela do seu quarto
Sidarta Gautama, o Buda, em sua leitura sobre o mundo, chega a oito grandes conclusões, o que os budistas denominam como "A Nobre Senda Óctupla". Dessas oito conclusões as duas primeiras nos interessam mais, por tratarem exclusivamente da lógica da Katábasis, parte central do treinamento da Jornada do Herói. Essas duas primeiras conclusões dizem:
1. A natureza da vida é dor.
2. Toda dor vem do desejo ignorante.
Nós sofremos enquanto vivemos, perdemos nossos avós, perdemos nossa inocência, a imagem de perfeição que temos de nossos pais, nossas certezas, nossas companhias do passado, nossos amores, alguns amigos, e isso faz parte da vida. A vida é passagem, e nessa passagem há morte, e essa morte é parte da vida e ignorarmos isso, desejar ignorantemente que a vida não passe, que alguma "felicidade absoluta" se estabeleça num fantasioso "para sempre" é o caminho mais rápido para a eterna frustração.
A morte, um ode à vida
Fênix, símbolo da vida que morre e renasce, recria-se a partir de sua própria destruição |
Viver a Katábasis, viver a queda
A Katábasis, o mergulho nas trevas, significa o abrir-mo-nos para viver essa perda, o deixar passar tudo o que não é mais nosso, aquela carga extra de certezas velhas, de padrões de pensamentos antiquados, de crenças limitantes e desestimulantes que nos tragam para longe do que queremos ser, que nos atrasam. Viver a Katábasis é deixar passar, é dizer sim à morte, a essa morte do que já não somos, para que possamos nos tornar o que desejamos ser. A Katábasis é a dor libertadora de um profundo banho interno do qual saímos renovados, revitalizados.
A citação de Montaigne, com a qual iniciamos esse texto, só poderia ser bem fechada com uma outra citação, genial, do mesmo autor:
"Para começar a tirar da morte seu grande trunfo sobre nós, adotemos o caminho contrário ao usual; vamos privar a morte de sua estranheza, vamos frequentá-la, acostumarmo-nos a ela; não tenhamos nada senão ela em mente... Não sabemos onde a morte nos espera: então vamos por ela esperar em toda parte. Praticar a morte é praticar a liberdade. Um homem que aprendeu como morrer desaprendeu a ser escravo." - Michel de Montaigne
Morra e renasça na Jornada do Herói.
Texto por: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador do treinamento A Jornada do Herói
Muito bom!
ResponderExcluirAdorei conhecer este espaço, voltarei mais vezes aqui. E claro, não vejo a hora de participar desta jornada no treinamento aqui em SP :)
Beijos
Excelente, parabéns!
ResponderExcluirExcelente, parabéns!
ResponderExcluirSaudações ...
ResponderExcluirGostaria de encontra aqui [ou em qualquer outro website] uma boa e articulada definição do conceito de "Katabasis", como ocorre em dois exemplos na mitologia grega:
a) Mito de Orfeu indo aos domínios de Hades, resgatar sua amada Euridíce e fracassando nesse intento.
b) o encontro de Ulisseus [Odysseus] com seu colega da Guerra de Tróia, Aquiles, morto e condenado a viver no Hades.
Uma das principais definições que gostei deste conceito em toda a rede foi a que achei na Wikipedia anglo-amaericana. Link ---------> https://en.wikipedia.org/wiki/Katabasis
Queria saber se existe algum website em português que explica satisfatoriamente esse citado conceito.
Tchau e desde já, grato por tudo.