Ártemis |
Quando penso nas várias edições da Jornada do Herói, desde os tempos de 2005, quando a primeira delas foi efetuada no Flamengo, no Rio de Janeiro, em parceria com o INAp, observo uma singularidade interessante: a maior parte dos grupos é composta por Heroínas, mulheres sábias, corajosas, verdadeiras guerreiras, em busca do maior desafio: vencerem-se a si mesmas, descobrirem e manterem suas identidades de mulheres, mães, amantes, filhas, profissionais, esposas e amigas numa sociedade em que a feminilidade só é exaltada quando vinculada ao consumo.
As experiências femininas na Jornada sempre são impressionantemente enriquecedoras para o homem que souber observar, aprender e respeitar essa dinâmica complementar, essa vivência integradora. O olhar atento e a atitude de aprendiz leva sempre ao melhor aproveitamento, em ambos os sexos.
Afrodite |
A psique humana opera por pares complementares, opostos que funcionam como balizas para o fluxo da energia psíquica, que é o que mantém nossas mentes em funcionamento, nossas idéias chegando e indo embora, nossos sonhos à noite. O homem naturalmente tende a ter uma compreensão mais masculina da realidade e o inconsciente (numa situação normal) tende a criar um pólo oposto, compensador e integrador dessa visão unilateral da realidade, a Anima. O mesmo ocorre com a mente feminina. Jung chamou às manifestações de complementariedade masculina e feminina do inconsciente respectivamente de Animus e Anima.
Na famosa obra "O Homem e Seus Símbolos", Marie Louise Von Franz define magistralmente os conceitos de Anima e de Animus. Por hora nos concentraremos no Animus, a contraparte masculina de uma psique feminina, ou, segundo Von Franz, "a personificação masculina do inconsciente da mulher". Como todas as manifestações do inconsciente, o Animus é simbólico, ou seja, dual, dialógico, possui uma dimensão positiva e uma dimensão negativa.
Atena |
Enfrentando o Dragão
O Animus pode se manifestar como uma idealização das características paternas da mulher, o que geraria um afastamento de qualquer relacionamento humano. É aquela velha fórmula do "nenhum homem é bom o suficiente para a minha filha" (na mente do pai) transubstanciada para "nenhum homem é bom o suficiente" (na mente da filha). Nessa fase pensamentos oníricos, desejos e julgamentos definem "como uma relação deveria ser" e afastam a mulher da realidade da vida, que não se adequa a padrões pré-estabelecidos, mas é plástica, mutável. Resta, na Jornada do Herói, o reconhecer e o enfrentar essa imagem, retirando dela o potencial para uma vida psíquica saudável.
O Barba Azul
"O homem talvez seja apenas o monstro da mulher e a mulher o monstro do homem" - Diderot, O Sonho D´Alembert
Hera |
Trabalhar o Animus, tarefa da Jornada
"Só querer se relacionar com aqueles que se aprovam em tudo é quimérico, e é o próprio fanatismo" - Alain, Considerações
No mais íntimo murmura o Animus não trabalhado: "Você não tem salvação. Para que lutar? Não vale a pena!". Essas manifestações retrógradas do Animus servem para sinalizar a necessidade de enfrentarmos de frente suas necessidades e demandas, caso contrário a mulher estará presa a sentimentos crescentes de passividade, paralisação dos sentimentos, profunda insegurança ou uma sensação de nulidade e vazio abismais. Um Animus não trabalhado, em geral, é um fator de alienação psíquica, que desvia a mulher do seu potencial criativo.
Selene |
Aspectos positivos do Animus
"Há tanta diferença entre nós e nós mesmos quanto entre nós e o outro." - Montaigne, Ensaios.
Trabalhando com o Animus, lidando com suas limitações e desenvolvendo suas grandes potencialidades, as heroínas da Jornada desenvolvem uma atividade criadora e rica de sentido. Começam a doar sentido para o universo ao seu redor e a emanar significado, transformando a vida num processo psiquicamente sustentável, desafiador e criativo.
Gaia |
Heroínas: mulher e plenitude
"Deus só criou as mulheres para domar os homens." - Voltaire, O Ingênuo.
A atenção consciente que uma mulher tem de dar aos problemas de seu ânimus toma muito tempo e envolve uma quantidade considerável de energia e sofrimento. É justamente no tempo e no sofrimento, como na escolha em trilhar o caminho de maior descoberta e aprendizado, que reside o mérito. É aí, então, que podemos chamá-las de "Heroínas", porque desenvolveram não só a Areté - a "superioridade" caracteristica de quem integrou partes conflitantes de sua psique, não eliminando os conflitos, mas elevando-os a um novo patamar - e a "Timé" - a "honra" característica de quem soube levar esse aprendizado para o dia-a-dia, para o convívio saudável e engrandecedor da sociedade e dos que as cercam.
Heroínas são essas mulheres incríveis que enfrentaram essa realidade em lugar de se deixar dominar por ela e tornaram o Animus um companheiro precioso que vai trazer como dote a esse "casamento sagrado interior" uma série de qualidades masculinas como a iniciativa, a coragem, a objetividade e a sabedoria espiritual que transcendem a dicotomia frígida da batalha dos sexos externa e da resistência à integração do Animus, interna.
Heroínas são aquelas que ouvem o chamado interno à aventura de si mesmas e respondem integrando, assimilando o que seu Animus tenha de positivo e utilizando essas capacidades como estados de recursos para os maiores desafios que surgirão, sempre, adiante.
Texto: Renato Kress
Imagens: Google Imagens, Deusas e manifestações do feminino
Não sou de muitas palavras, sou de todo sentimento: descobertas e aprendizado - caminho para toda uma vida. Obrigada Renato Kress!
ResponderExcluirGostei do texto Renato Kress, no fundo acho que as mulheres possuem uma visão mais transcendental de tudo que acontece de visível e invisível, pois a percepção passa pela esfera do intangível / imaterial. Talvez seja por isso que para muitas mulheres (digo muito pelo viés da minha experiência, claro) acabam por achar perda de tempo o exercício de articular ideias no plano mental sem que haja junto outras dimensões colocadas horizontalmente, como a emoção, sensibilidade, o amor, a compaixão... E aí a razão acaba pobre, pois "não dá conta" sozinha de abarcar o repertório do todo - fundamental para uma visão mais abrangente da vida. (não sei se me fiz entender, mulheres são mais sutis nas palavras tb, rs).
ResponderExcluirSe fez sim, Jan. A integração ânima/ânimus, yin/yang, masculino/feminino, sem nenhum totalitarismo unipolar com tendências esquizofrênicas, intolerantes e megalômanas é que é a verdadeira maturidade. Possível para homens e mulheres. ;)
ExcluirPerfeito Renato. Possível para ambos, concordo. Talvez o maior segredo seja a união da razão com o sentir em direção ao olhar honesto pra dentro, assim não fragmentamos a mente (esquizofrenia). Esse equilíbrio, que é mutável deve ser buscado constantemente, isso é maturidade como vc bem colocou, se perceber muito yin e buscar a semente yang, perceber a necessidade de permanecer yin para produzir "x" coisa... Atividade constante né? Parabéns mais uma vez pela sua produção e por compartilhar, vc será sempre lembrado assim. Beijos
ExcluirAmo teus comentários, Jan! Muito acalentador, para a alma, saber que há pessoas que nos entendem bem, principalmente quando são amigas maravilhosas como você.
ExcluirSomos pares, por isso a amizade perdura! Também acho o máximo saber que existe gente (e do sexo masculino, rs) que pensa usando todas as suas faculdades, há uma diferença entre um homem sábio e um intelectual, vc sabe né? Fico impressionada com a quantidade de linhas de pesquisa que vc consegue compilar no seu trabalho. Obrigada Rê. Beijinhos
ResponderExcluirArete e Timé.Entendi, Integrar o animus,sagrado interior um objetivo.
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