segunda-feira, 23 de abril de 2012

Superioridade e Honra: Caminhos, descaminhos, estratégia e valores


"Existem vários caminhos. Há o Caminho da Salvação pela Lei do Buda, o Caminho de Confúcio que governa o Caminho do Aprendizado, o Caminho da cura como médico, como poeta ensinando o caminho de Waka¹, chá², arco e flecha³ e muitas outras artes e escolas. Cada homem pratica de acordo com sua inclinação." - Miyamoto Musashi, Livro da Terra, in: Livro dos Cinco Anéis (ou Livro das Cinco Esferas)

Para Musashi o caminho do Guerreiro é o caminho que leva à aceitação resoluta da morte. A morte, para uma cultura taoísta como a de Musashi, é a aceitação da eterna impermanência. Impermanência de nossos corpos, que envelhecem desde o dia em que nasceram, de nossas situações cotidianas que se transmutarão em outras, de nossa compreensão de nós mesmos e do universo que nos cerca. Para quem saiba ler o Livro das Cinco Esferas, tornar-se um guerreiro, ou melhor, assumir o caminho do guerreiro, é aceitar a mudança que se espera de toda ordem constituída. A vida é passagem e quem se perder nas margens do rio da vida na busca pela eterna infância, juventude ou mesmo eterna velhice, não pode assumir esse caminho, viver esse fluxo.

O Caminho da Estratégia

Os praticantes do caminho do guerreiro são conhecidos como "mestres da estratégia". A aceitação resoluta da morte, num contexto estratégico, nada mais é do que um bom exercício do que no ocidente denominamos "trade-off", abrir mão de algo (deixar algo morrer) para obter algo de maior valor para nossas vidas. Quando uso o termo "Valor" quero dizer "significado" e não explicitamente "dinheiro", "posição" ou "poder", a não ser que "dinheiro", "posição" e "poder" sejam seus valores primários. Valor é tudo aquilo que traz maior significado à sua vida.

"Recentemente têm surgido no mundo pessoas chamadas de estrategistas, mas no fundo não passam de esgrimistas." - Myiamoto Musashi

Vivemos num universo onde a mídia cerca e explode em multicores quando um envolvido em uma disputa comercial, industrial, política ou financeira atinge uma vitória. Tendemos a atribuir ao sujeito da vitória, ao vitorioso, títulos de estrategista, de grande guerreiro e de líder etc. Podemos até acreditar que livros como "A Arte da Guerra" de Sun Tzu estejam ultrapassados, que seus critérios de "vencer sem guerrear", "vencer o inimigo por cansaço" antes mesmo de entrar em batalha, "cooptar as mentes dos soldados do inimigo antes de enfrentá-los" etc estejam ultrapassados, afinal, o que as grandes revistas de negócios, os grandes livros e os grandes gurus nos apresentam é um mundo de grandes líderes em disputa acirrada, clara e aberta uns contra outros. Mas será que essas revistas não têm nenhum interesse? Será que elas não são patrocinadas por nenhum interesse? Quem paga a moda da ultracompetitividade? E paga com recursos infindáveis, ou com recursos finitos? E se esses recursos são finitos, porque se investe nisso?

Essência e aparência

O mundo da mídia pode se esgoelar para vender a cada um de nós a idéia de que a competição acirrada, a hipercompetitividade a qualquer custo é o caminho do "líder", do "guerreiro", do "estrategista", mas ele não pode negar o fato de que a Google, por exemplo, tem 4 décadas a menos do que a TimeWarner e tem o lucro líquido quase duas vezes maior. A diferença? A TimeWarner é a maior difusora da ideologia da hipercompetitividade no mundo e a Google não vende, mas efetivamente vive a ideologia da hipercolaborativiadade, dentro e fora da empresa. A quem interessa que nós permaneçamos sempre competindo, nos exaurindo, nos cansando, dispersando energia e recursos?

A aparência da hipercompetitividade não encobre a essência de que quem está na frente não compete, cria! Só me interessaria que meus "concorrentes" competissem se eu vivesse no eterno medo, no pânico completo de que, uma vez deixados em paz, eles pudessem "crescer" e "me passar". Essa é a ênfase normal na mente de um covarde, não de um guerreiro. A mídia corporativa, tal qual a mídia social, incentiva a covardia pela incitação do medo. Só quem é muito inseguro acerca das próprias potencialidades, das próprias habilidades e do próprio conhecimento consegue viver nessa lógica. Não é o caso de um guerreiro como exposto por Musashi.

A venda e os critérios para a compra


"Se observarmos o mundo, veremos artes à venda. Os homens usam equipamentos para vender a si próprios. É como se a noz valesse menos que a flor. Nesse tipo de 'Caminho da Estratégia', tanto aqueles que ensinam quanto aqueles que aprendem o caminho ocupam-se de exibir a técnica, tentando apressar o desabrochar da flor. Falam 'deste Dojo' e 'daquele Dojo'. Estão à cata de lucros. Alguém afirmou uma vez: 'A Estratégia Imatura é a causa do sofrimento'. É verdade." - Miyamoto Musashi

Impressionante como parece que Musashi viveu nesse mundo, não? É natural aos que captam a essência do ser humano. Por isso determinadas leituras se tornam clássicos, porque seus autores captaram algo de próprio da natureza humana. A palavra "Dojo", significa "escola". E não vivemos hoje uma difusão de escolas e métodos de liderança, estratégia etc? E só há uma maneira eficiente de verificar a validade dessas escolas e métodos: aproximarmo-nos delas cautelosamente nós mesmos (pouquíssimo e raramente pela mídia, ela é paga para agir e age segundo quem paga) e observarmos o que seus representantes escrevem diretamente, o que falam e o que fazem, observar-lhes a coerência interna e, principalmente, se seus valores e crenças condizem com os nossos valores e crenças.

Uma das maiores compreensões para o ser humano, talvez o grande discurso desse milênio, é a aceitação da diferença. Aceitar que a diferença existe e que não somos todos iguais é compreender, entre outras coisas, que há espaço para a diferença e que a "técnica" que funciona para o meu vizinho ou para o meu colega pode não ser a mesma que funciona para mim. É o ensinamento básico par qualquer iniciante em Programação Neurolingüística (pnl): "O mapa não é o territorio", ou seja: minha representação da realidade não é  realidade, sim uma representação. Outras pessoas terão outras representações que não são melhores nem piores que a minha, apenas diferentes e, nessa diferença, possuem um grande potencial de enriquecer o nosso mapa.

Toda conduta humana está alicerçada em valores. Ora, uma técnica de liderança, uma "escola" de estratégia empresarial treina e às vezes até impõe uma determinada conduta. É necessário observar bem esses valores, para termos certeza se eles efetivamente são congruentes com os nossos ou não. Do contrário incorreremos em adotar uma postura esquizofrênica em nossas vidas e, mais cedo ou mais tarde, isso desembocará num desequilíbrio físico ou mental.

Esteja sempre atento aos interesses e aos valores por trás do que "consumir" mentalmente, fisicamente, financeiramente. É a sua integridade e a sua possibilidade de crescimento sadio ou patológico (doentio) que está em jogo.

Artigo de: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
www.institutoatena.com
Criador dos cursos
A Jornada do Herói
e
A Arte da Guerra

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¹ Waka: A palavra significa "Canção do Japão" ou "Canção em Harmonia", que designa um poema de trinta e duas sílabas.
² Chá: A arte de beber chá seguia um ritual simples até hoje ensinado nas escolas. Ficou conhecido no Ocidente como o ritual do chá, feito basicamente por duas pessoas.
³ Arco e Flecha: Assim como o chá e a espada, a arte do arco e flecha é praticada em um ritual. Foi a principal arma do samurai nos períodos Nara e Heian, sendo que, mais tarde, cedeu lugar à espada. Contudo, não perdeu sua importância cultural, aparecendo habitualmente nas ilustrações que representam o aparato portado pelos deuses. O deus da Guerra Hachiman costuma ser representado como um arqueiro.

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