segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Os Sonhos na Jornada do Herói

Sempre me perguntam qual a importância das duas páginas, ao final da apostila da Jornada do Herói, chamadas "Pequeno caderno de sonhos, imagens, reflexões e temas recorrentes durante a Jornada". Esse 'caderno' de duas páginas para as jornadas efetuadas em finais de semana e de doze páginas para as jornadas efetuadas em dois meses, é separado em duas colunas, respectivamente 'registros verbais' e 'imagens'. Fica logo depois do fim da apostila de aula, separando as "quebras de estado" e a "bibliografia" da apostila de aula.

Qual seria a importância de anotar e verificar os sonhos, imagens e reflexões que possamos vir a ter ou desenvolver ao longo das nossas Jornadas?
O treinamento da Jornada do Herói é baseado na transdisciplinaridade entre vários ramos do saber, entre eles, a psicologia analítica - criada pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung - e, para ele, o sonho era "um teatro em que o próprio sonhador é cena, autor, produtor, ator, público e crítico" (Símbolos de Transformação, p.5) O sonho é o maior panorama possível sobre a nossa vida inconsciente.

Hypnos
Na Grécia Antiga o sonho era personificado na divindade Hipnos (também conhecido como 'Oneiros'), uma divindade alada que pousava sob a cabeceira da cama dos seres humanos e contava, por imagens, sobre a vida dos deuses e a relação dessa vida divina com a vida do sonhador. Segundo Corintha Maciel "Podemos considerá-lo um amigo que nos visita todas as noites e nos informa como estamos nos conduzindo em nossa vida, ou, ainda, como um repórter que nos trás notícias de nosso lado oculto."


O Sonho na Jornada do Herói
Ao longo da Jornada trabalhamos com símbolos e processos que ampliam nossa percepção acerca do que está se operando no nosso inconsciente. Seja entrando em contato com aspectos que renegamos para ressignificá-los, seja observando padrões que estavam até então imersos no "ponto cego" de nossas vidas cotidianas, seja mesmo através de sonhos e imagens que nos venham ao longo das dinâmicas e dos dias da Jornada.

O sonho é estudado aqui como veículo e criador de símbolos. Manifesta a natureza complexa, representativa, emotiva, vetorial do símbolo, assim como as dificuldades de uma interpretação. O sonho traz e cria os símbolos, que são as letras com as quais nosso inconsciente escreve as mensagens que nos importa saber sobre o mais íntimo de nossa existência.

"...símbolo da aventura individual, tão profundamente alojado na intimidade da consciência que se subtrai a seu próprio criador, o sonho nos aparece como a expressão mais secreta e mais impudica de nós mesmos. Ao menos duas horas por noite vivemos nesse mundo onírico dos símbolos. Que fonte de conhecimentos sobre nós próprios e sobre a humanidade, se pudéssemos sempre recordá-los e interpretá-los." - Frédéric Gaussen

Sonhos e seus estudiosos
Seguem algumas interpretações do que seja o fenômeno dos sonhos, sob a ótica de diferentes autores.

Para Sigmund Freud "o sonho é a expressão, ou a realização, de um desejo reprimido"

Para Carl Gustav Jung "o sonho é a auto-representação, espontânea e simbólica, da situação atual do inconsciente"

Para J.Sutter "o sonho é um fenômeno psicológico que se produz durante o sono, constituído por uma série de imagens cujo desenrolamento representa um drama mais ou menos concatenado"

Para Henry Amiel "o sonho é o domingo do pensamento"

Para Roland Cahen "...o sonho exprime as aspirações profundas do indivíduo e, portanto, será para nós uma fonte infinitamente preciosa de informações de toda ordem"

O que podemos retirar dessas definições é que o sonho independe da vontade e responsabilidade do sonhador. Sua dramaturgia noturna é espontânea e incontrolada. Nele, a consciência das realidades se oblitera, o sentimento de identidade se aliena e se dissolve.

Panorama da História do Sonho pelo mundo
O Egito Antigo atribuía aos sonhos um valor sobretudo premonitório: 'O deus (Amon-Rá) criou os sonhos para indicar o caminho aos homens, quando esses não podem ver o futuro'. Sacerdotes interpretavam nos templos os símbolos dos sonhos, segundo chaves interpretativas transmitidas pelos deuses. A oniromancia, ou a adivinhação por meio dos sonhos, era praticada em todos os lugares.

Para os negritos das ilhas de Andaman (Andamã), os sonhos são produzidos pela alma, que é considerada como a parte maléfica do ser. Sai pelo nariz e realiza ora do corpo as proezas de que o homem toma consciência em sonho.

Para todos os índios da América do Norte, o sonho é o signo final e definitivo da experiência. Segundo o mitólogo romeno Mircea Eliade "Os sonhos estão na origem das liturgias, estabelecem a escolha dos sacerdotes e conferem a qualidade de xamã, é deles que provêm a ciência médica, o nome que se dará às crianças e os tabus, eles ordenam as guerras, as caçadas, as condenações à morte e a ajuda a ser ministrada; só eles compreendem a obscuridade escatológica. Enfim o sonho confirma a tradição: é o selo da legalidade e da autoridade.

Para os Bantos do Kasai (bacia do Congo), certos sonhos são produzidos pelas almas que se separam do corpo durante o sono e vão conversar com outras almas, vivas ou mortas. Esses sonhos têm caráter premonitório referente à pessoa ou então podem consistir em verdaeiras mensagens dos mortos aos vivos, que interessam a toda a comunidade.

A classificação dos sonhos
As pesquisas analíticas, etnológicas e parapsicológicas dividiram os sonhos noturnos em seis categorias:

1. O sonho profético ou didático: trata-se de um aviso, mais ou menos disfarçado sobre um acontecimento crítico, passado, presente ou futuro; sua origem é frequentemente atribuída a uma força celeste.

2. O sonho iniciatório do xamã ou do budista tibetano de Bardo-Todol: é um sonho carregado de eficácia mágica e destinado a introduzir o homem num outro mundo por meio de um conhecimento e de uma viagem imaginários. Nos dois casos pode vir a incorporar um primeiro estágio de negação da carne-matéria. Nos dois casos, tanto para o xamã quanto para o monge budista, isso pode ser uma fase para um renascimento do sujeito em novo plano da experiência humana.

3. O sonho telepático: que estabelece comunicação com o pensamento e os sentimentos de pessoas ou grupos distantes. Muitos desses sonhos foram descritos por escritores e pessoas comuns antes da primeira e segunda guerra mundiais, por exemplo.

4. O sonho visionário: que transporta ao que H. Corbin chama de 'o mundo das imagens', e que pressupõe, no ser humano, num certo nível de consciência, poderes que nosa civilização ocidental talvez tenha atrofiado ou paralisado, poderes sobre os quais se encontram testemunhos entre os místicos iranianos. Neste caso não se trata de presságios ou de viagens, mas de visão.

5. O sonho pressentimento: que pressente e privilegia uma possibilidade entre mil outras.

6. O sonho mitológico: que reproduz algum grande arquétipo e reflete uma angústia ou uma potencialidade fundamental e universal.

Todos esses tipos de sonhos são passíveis ao longo da Jornada do Herói. Pois o material que trabalhamos são símbolos, e as "escavações internas" que operamos ao longo da Jornada, principalmente ao longo da Katábasis, rearranjam os mosaicos internos de nossa psique possibilitando que novas percepções venham à tona, percepções que nosso inconsciente nos comunicará pela sua linguagem natural, a linguagem dos símbolos.

Exemplos de sonhos de Heróis durante a Jornada
Tomei a liberdade de trocar os nomes dos sonhadores para resguardar suas intimidades.

- Estava numa festa com muitos conhecidos, um amigo de infância - que eu não via a mais de vinte anos - me chamou para dançar. No meio da dança começamos a beber e ele me contou que eu precisava girar menos, porque daquele modo iria cair mais cedo ou mais tarde. Quando acordei estava zonza, completamente desbaratada. Levantei e senti que eu precisava arrumar minha mesa de trabalho e por algum motivo não parei até encher dois grandes sacos de lixo com papéis velhos que eu guardava não sei porquê. minha mente clareou depois daquilo. - Márcia

- Sonhei que estava numa biblioteca subterrânea que subia para um morro, numa colina. Nessa colina vi um ser muito magro fazendo piruetas e acrobacias na beira de um abismo. Não consegui me aproximar dele, mas conversamos. Ele estava confiante e sorrindo e acabou pulando no abismo e eu tenho certeza de que ele não morreu. (Eu escrevi um conto sobre esse sonho de uma heroína aqui) - Lígia

Os sonhos e a Jornada
Usamos as imagens simbólicas que aparecem nos sonhos de nossos heróis como formas de pesquisa das informações que nosso incosciente julgue que sejam tão importantes a ponto de ele querer que nós nos dediquemos a conhecê-los melhor. Orientamos, na Jornada do Herói, sobre as formas como nossos Heróis e heroínas possam e devam anotar e pesquisar sobre seus sonhos, para que os avisos sejam percebidos, que as interpretações sejam possíveis e que os pedidos de nosso mundo interior não sejam negligenciados por nosso dia a dia celerado, nesse tempo que consome todos nós.

Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador do treinamento A Jornada do Herói
Antropólogo e Cientista Político pela PUC-Rio, Trainer em Programação Neurolingüística pelo Deutsch Verband für Neurolingüistisches Programmieren e pelo International Association of NLP Institutes, pós-graduando em Psicologia Analítica pelo IBMR.

Um comentário:

  1. E hoje meu brinco, meu par de brincos era um "Apanhador" de sonhos...ando fugindo e escapando, dadas as coisas que ando evitando...será hora do Encontro? Tenho deixado de ver muitas coisas por "n" razões e emoções, mas sempre há um momento em que tudo escapa e se desentoca, Entre o onírico e o real, outras"realidades" se descortinam.... Muito interessante!

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